Festim diabólico (Rope, 1948) é o meu Hitchcock preferido.
É um thriller psicológico de intensos aportes psicanalíticos. Apesar de ser o primeiro filme em technicolor, não é tão festejado quanto Psicose (Psicose, 1960) ou Um Corpo que cai (Vertigo, 1958), a obra-prima do diretor.
É baseado numa peça de Patrick Hamilton de 1929, aparentemente criada a partir de fatos reais: o assassinato de Bobby Franks, em 1924. Os assassinos verdadeiros, Nathan Leopold e Richard Loeb, mataram o garoto Franks, então com 14 anos, pelo desejo de experimentar um crime perfeito, inspirados na obra de Nietzsche.
Pois bem. A trama do filme mostra dois jovens, Brandon Shaw (John Dall) e Phillip Morgan (Farley Granger), que querem sentir o prazer de um homicídio. A cena inicial mostra os dois estrangulando um ex-colega da Universidade de Columbia, David Kentley, e colocando o corpo dentro de um baú, que será usado como mesa para um banquete oferecido pelos dois para vários convidados, amigos e parentes de David, e de sua noiva, Janet Walker (Joan Chandler).
Um dos convidados é o professor da escola preparatória dos rapazes, Rupert Cadell (James Stewart). Em suas aulas, Rupert teria ensinado que a morte desrespeitaria as convenções sociais mas que “seria privilégio de poucos”.
Desde sua entrada em cena, o personagem de Stewart, ator fetiche de Hitchcock, é provocativo e irônico. Rupert é a figura paterna que atravessa as cenas (aliás, o filme ficou famoso por não conter cortes. Na verdade, foi editado através de tomadas longas e com a utilização de trilhos e paredes falsas dentro do cenário) e investiga, desconfiado, a ausência de David, convidado principal do festim.
“Rope” que é corda em português, título do filme, é o fio que conduz o espectador desde o início e que é homófona a “hope”, esperança.
A corda é colocada dentro de um armário da cozinha, aguardando que alguém a descubra. É um esconderijo entreaberto, à espera de revelação.
O filme faz referências a psicopatia, onde os assassinos não nutrem qualquer sentimento em relação a dor, a tortura e a morte. Ao contrário, exibem como um troféu, deitado em sua sala, o corpo ausente/presente de David. Sentiram prazer pelo sofrimento alheio.
A esperança, hope com H, é que se perceba a loucura em ações como essas, que sentem prazer na dor alheia. Que sentem indiferença com a morte. Um filme magnífico que vale a pena rever dezenas de vezes e tentar descobrir, por exemplo, o momento da aparição em cena do próprio Hitchcock, algo que se repete em suas películas.
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Por Marcelo Beckhausen1Marcelo Beckhausen é Procurador Regional da República na PRR4, professor de Direito Constitucional na Unisinos e colaborador do DeC.