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Salvem a conitec

Salvem a Conitec!!!

Muitos veículos de informação vêm noticiando a possibilidade de substituição da Diretora do Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias e Inovação em Saúde, que também preside a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). De acordo com fontes jornalísticas, a sua exoneração foi solicitada por Hélio Angotti,  Secretário de Ciência, Tecnologia, Gestão e Insumos Estratégicos (SCTIE), e está sendo cogitada em razão da Diretora ser contrária ao kit COVID.

O que está em jogo com a troca é a independência da Conitec.

A Conitec, vinculada ao Ministério da Saúde, é responsável pela análise dos tratamentos que serão oferecidos pelo SUS. Seu trabalho consiste basicamente em avaliar as evidências científicas existentes sobre um determinado tratamento, o seu custo-efetividade e o impacto orçamentário que a sua oferta causará aos cofres públicos. Ao final do processo, a Conitec recomenda se a nova tecnologia deve ou não ser ofertada pelo SUS, cabendo ao Secretário da SCTIE decidir se a população terá ou não acesso a ela.

Sua atuação é – e nunca pode deixar de ser – eminentemente técnica. Órgãos cuja conduta deve ser pautada pela técnica precisam agir de acordo com ela.

Na análise das evidências científicas dos tratamentos de saúde que se pretende que sejam oferecidos a toda a população, o único fator limitante de sua atuação deve ser a ciência. Nada mais.

Na situação específica do kit COVID, o relatório da Conitec que não recomendou a sua incorporação seguiu o que os estudos existentes sobre a cloroquina, a hidroxicloroquina e a azitromicina preceituam.

Não há dinheiro sobrando no SUS para se gastar com tratamentos cuja ineficácia já foi comprovada. Aliás, isso é vedado pela própria lei que instituiu a Conitec. Logo, a atuação do órgão e de sua presidente, além de ter seguido a ciência, também se pautou na legalidade. Não há motivos técnicos para a sua substituição.

A eventual troca na coordenação da Conitec acabará por transformar a Comissão em um órgão político, na medida em que se deixa claro, pelo chefe do Ministério da Saúde, que o que importa não é a ciência, nem o interesse do cidadão de ter os recursos do SUS bem aproveitados, mas sim, um interesse político para fazer prevalecer um discurso que já foi amplamente refutado no mundo todo.

A falta de observância estrita da ciência também pode propiciar uma maior interferência da indústria farmacêutica no processo de decisão da Conitec para a aprovação de outros medicamentos ineficazes. Com isso, a já estremecida confiança do cidadão no SUS ficará ainda mais abalada.

É necessário fortalecer a Conitec, não enfraquecê-la.

Outro prejuízo que já se pode antever, caso prevaleça a politização da Conitec, é um aumento da judicialização da saúde.

O poder judiciário recebe há algumas décadas processos em que se pedem tratamentos que não são oferecidos pelo SUS. Muitas vezes, essa judicialização possui um grave efeito adverso: ela desestrutura a organização do SUS, comprometendo as políticas públicas instituídas.

Parte do orçamento do SUS é direcionado para o cumprimento das ordens judiciais. O juiz, quando decide esses processos, analisa (ou pelo menos deveria analisar) o que a Conitec fez, se a tecnologia pleiteada já foi submetida ao órgão e se houve relatório de recomendação final.

Quanto mais técnica for a Conitec e quanto mais fundamentado for o seu relatório, maiores serão as chances de o juiz aceitar o que ela recomendou e manter hígida a política pública.

É fácil perceber que uma Conitec marcada por decisões políticas não será respeitada pelos juízes.

Por tudo isso, fica claro que os cargos da Conitec não podem ser distribuídos com base em favoritismo político. Também já é hora de evoluirmos para criarmos mecanismos legais que assegurem a independência da Comissão, como ocorre com as agências reguladoras.

A sua criação, em 2011, representou um grande avanço para o SUS, mas o momento demonstra que precisamos avançar mais.

O artigo deveria se encerrar por aqui quando veio a ingrata notícia – que não foi propriamente uma grande surpresa – de que o Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde não aprovou a recomendação da Conitec contrária à adoção do kit covid pelo SUS, ou seja, autorizou o seu uso no sistema público de saúde. Isso aconteceu por meio da Portaria SCTIE/MS nº 4, de 20/01/2022.

Além disso, também não foram aprovadas as recomendações da Conitec sobre o tratamento hospitalar medicamentoso (Portaria SCTIE/MS nº 01/2022), de controle da dor e sedação (Portaria SCTIE/MS nº 02/2022) e da assistência hemodinâmica e medicamentos vasoativos (Portaria SCTIE/MS nº 02/2022), todos para a Covid-19.

Se havia fortes indícios de interferência política na Conitec mediante a possível substituição de sua presidente, agora não há dúvidas.

Ataca-se com um único golpe não apenas a própria comissão, mas também a saúde das pessoas, a ciência, a eficiência da Administração – que deixa de se concentrar nos tratamentos preventivos e de recuperação eficazes para gastar recursos e desgastar os profissionais e gestores do SUS e a população em geral – e o ordenamento jurídico da saúde, que foi estruturado tendo como norte as evidências científicas (art. 19-O e art. 19-P, §2º, I, da Lei nº 8.080/90).

Deveria ser inimaginável – apesar de tudo parecer possível atualmente – que um documento “técnico” formalizado pelo Ministério da Saúde para refutar as conclusões amplamente discutidas e debatidas pela Conitec dissesse, por exemplo, que há evidências científicas de segurança e eficácia na utilização de hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, mas não há em relação às vacinas.

No entanto, foi exatamente isso que constou na Nota Técnica nº 2/2022-SCTIE/MS, amplamente divulgada pela imprensa: 

Tabela do MS considerando que vacina não tem comprovação

Somente depois de incessantes e duras críticas por parte da imprensa e de respeitadas instituições médicas e científicas é que o Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde houve por bem retirar a referida tabela da Nota Técnica 02/2022, conforme divulgado pela mídia.

Não há que se perder mais tempo discutindo eficácia de hidroxicloroquina para tratar Covid. No meio científico, essa questão está superada.

É preciso que os esforços sejam concentrados naquilo que vai proteger a população, e o que protege a população é o respeito à verdade, à ciência, ao funcionamento das instituições, que devem atuar pautadas pelo bem comum, sem favoritismos, sem pressões políticas sobre órgãos técnicos, sem desmonte de estruturas e conhecimentos conquistados com muito custo durante anos ou décadas.

A Conitec deve ser a tradução da ciência no processo de incorporação de tecnologias ao SUS. Só que é preciso permitir que ela assim seja. A política possui seu próprio campo de atuação, que definitivamente nem sempre coincide com a verdade científica.

Salvem a Conitec!!!

Post scriptum (27/05/23): O texto publicado foi escrito por mim, Fabiano, pelo Bruno e pela Carol. Em razão de ter sido feito em conjunto por nós três na ocasião da publicação original não constaram os nossos nomes. A falha da ausência de autoria no texto deve ser atribuída exclusivamente a mim como responsável pela editoração do blog,.

Foto de nikko macaspac on Unsplash

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Confesso: eu gosto de ler textos das pessoas que pensam completamente diferente de mim. Gosto de ver como as pessoas estão pensando. Para mim, pandemia continua sendo uma das histórias mais fascinantes desde a segunda guerra mundial. Aqui, neste texto, li: “tratamentos cuja ineficácia já foi comprovada”.

Em situações assim, gente como eu, curiosa, esperava um link para um estudo da HCQ em tratamento precoce comprovando a ineficácia. Tipo bater o pau na mesa. Eu que já li tantos.

“Não há que se perder mais tempo discutindo eficácia de hidroxicloroquina para tratar Covid. No meio científico, essa questão está superada”. Aqui, um apelo ao “consenso”.

Na verdade, já escrevi sobre isso num artigo.

Eu entendo as pessoas que reagem emocionalmente quando alguém diz que hidroxicloroquina funciona
Você está trancado em casa há quase dois anos. Não recebe amigos. Você evita, ao máximo, visitar seus pais, deixando-os depressivos. Ao sair um centímetro de casa, coloca máscara para se proteger. Você carrega um pote de álcool em gel e passa nas mãos a cada cinco minutos. 
Ao mesmo tempo, você abre o jornal e lá está escrito: “Hidroxicloroquina não é comprovada cientificamente”. Você liga a televisão e vê especialistas sorridentes afirmando a mesma coisa. Você consulta a OMS – Organização Mundial da Saúde, e lê que eles não recomendam o medicamento. A associação médica famosa? Não recomenda. O hospital importante, de referência, da sua região? Não usa.

Diante disso, há duas possíveis situações: a primeira é uma pessoa se dirigir a você e repetir a afirmação de que não funciona. Com isso, essa pessoa está dizendo que, apesar da pandemia, o mundo está em uma situação de normalidade. Não gera nenhum tipo de incômodo.
Mas há uma segunda situação: é uma pessoa se dirigir a você e afirmar que hidroxicloroquina funciona contra a COVID-19. Neste caso, é perfeitamente humana uma resposta emocional. É compreensível.

Pensa junto comigo. Na hipótese do medicamento barato, genérico e disponível em qualquer esquina estar funcionando, há uma quantidade grande de pessoas, inclusive governos, fazendo a maldade de o suprimir da população, deixando milhões morrerem sozinhos, sem ar, intubados. Seria uma ação de desinformação oficial gerando uma legião de filhos órfãos, netos desamparados e famílias em luto. Alguém afirmar que funciona, portanto, representa algo inquietante. Seria uma história de terror.

Não é difícil de entender. Esta pessoa, ao afirmar a eficácia, está dizendo que a OMS – Organização Mundial da Saúde, a NIH – National Institute of Health, a FDA – Food and Drug Administration, entre diversos governos, estão agindo contra suas populações. Ao mesmo tempo, esta pessoa está dizendo que há cientistas trabalhando para sabotar, enganar, difamar a cura e que médicos estão deixando pacientes morrerem desnecessariamente.

Ou seja, esta pessoa está dizendo que a humanidade é um lixo e que você, além de tudo, é um ingênuo por ter fé na bondade humana, além de dizer que você foi feito de idiota por quase dois anos, colocando sua vida em risco. Talvez você tenha perdido sua mãe, seu pai, um parente ou um amigo e nem teve a oportunidade de se despedir com um enterro decente.

É muito pesado. Abalar a fé que as pessoas possuem na benevolência humana gera um incômodo profundo. É perfeitamente compreensível surgirem piadas, sarcasmos ou ofensas como resposta a quem afirma que a COVID-19 possui tratamento eficaz. Não é difícil entender quem interrompe, na maioria das vezes de modo grosseiro, as pessoas que ousam falar no assunto. Eu compreendo perfeitamente todos que reagem deste modo.

https://filiperafaeli.substack.com/p/hidroxicloroquina-o-mundo-perdeu?s=w