Francisco Buarque de Holanda, ou apenas Chico Buarque, além de ser um meme famoso (utilizado inclusive para anunciar seu ingresso oficial no instagram) é um dos principais nomes da música popular brasileira. Chegou a ingressar no curso de Arquitetura, mas abandonou para se dedicar a carreira artística e ter uma prolífera carreira como músico, dramaturgo e escritor.
Talvez as lições do curso de arquitetura tenham ajudado a realizar “construção”, uma música sobre as relações de trabalho e mais, lançada no ano de 1971, em plena ditadura militar, no álbum de mesmo nome, em que une forte crítica social e versos construídos com perfeição.
Dividida em três partes, a música é toda construída com versos alexandrinos (apenas com versos dodecassílabos), em que há uma acentuação tônica na sexta e na décima segunda sílaba poética, criando ritmo e melodia em estilo parnasiano.
Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a última E cada filho seu como se fosse o único E atravessou a rua com seu passo tímido Subiu a construção como se fosse máquina Ergueu no patamar quatro paredes sólidas Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima Sentou pra descansar como se fosse sábado Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido Agonizou no meio do passeio público Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Todos os versos são terminados com palavras trissílabas e proparoxítonas (algo raro, na língua portuguesa). Na segunda parte da música, a história é repetida, desconstruída e construída de outra forma, ainda mais metafórica, apenas alterando as palavras finais.
Amou daquela vez como se fosse o último Beijou sua mulher como se fosse a única E cada filho seu como se fosse o pródigo E atravessou a rua com seu passo bêbado Subiu a construção como se fosse sólido Ergueu no patamar quatro paredes mágicas Tijolo com tijolo num desenho lógico Seus olhos embotados de cimento e tráfego Sentou pra descansar como se fosse um príncipe Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo Bebeu e soluçou como se fosse máquina Dançou e gargalhou como se fosse o próximo E tropeçou no céu como se ouvisse música E flutuou no ar como se fosse sábado E se acabou no chão feito um pacote tímido Agonizou no meio do passeio náufrago Morreu na contramão atrapalhando o público
Já na terceira parte a história é contada de forma reduzida, retirando dez versos, e a nova construção poética é levada em um ritmo mais intenso no final da música.
Amou daquela vez como se fosse máquina Beijou sua mulher como se fosse lógico Ergueu no patamar quatro paredes flácidas Sentou pra descansar como se fosse um pássaro E flutuou no ar como se fosse um príncipe E se acabou no chão feito um pacote bêbado Morreu na contramão atrapalhando o sábado
Poucas vezes a escolha de uma estrutura mais formal foi tão bem utilizada em uma música, o que apenas ressalta a qualidade de Chico como compositor.
Na versão original, ainda consta uma quarta parte, retirada de outra música do próprio Chico, em que o coro canta o agradecimento a esmola dada, um trecho de “Deus lhe pague”, do mesmo álbum, e com uma crítica social ainda mais mordaz.
Construção, o “disco”, é tão importante para a música brasileira, quanto para a literatura. Tanto que um dos “livros” indicados para o vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 2021 é a audição do álbum.
Para finalizar, de forma mais leve, um momento de Chico Buarque, como intérprete, ao lado de Chiara Civello, cantando um dos clássicos da música italiana.