Hello darkness, my old friend.
Quem comemora o AI5, ou o regime militar dos anos 60/70 no Brasil, por certo não conheceu a ditadura.
Ou conheceu e, por algum problema cognitivo, não conseguiu compreender a violência perpetrada por quem deveria defender o Estado de Direito.
Ou, pior, comemora dolosamente a ditadura e apoia o seu retorno.
Uma noite de doze anos, 2018, de Álvaro Brechner, retrata um pequeno fragmento dos períodos autoritários que se desenvolveram na América Latina antes da redemocratização.
No Uruguai, três integrantes do Tupamaro, grupo guerrilheiro (cujo nome homenageia o líder indígena Tupac Amaru) que lutava contra a ditadura (transformado em partido político com o fim dessa), são presos e passam doze anos sendo humilhados e torturados.
José Mujica (Antônio de la Torre), futuro presidente do Uruguai, Maurício Rosencof (Chino Darín) e Eleuterio Fernandez Huidobro (Alfonso Tort) sofrem os mais diversos tipos de brutalidade, praticada por sádicos covardes acobertados por fuzis, desonrando as fardas que vestem.
Essa violência é enfrentada com muita resiliência, com os detentos criando códigos de comunicação entre as paredes do calabouço, mantendo os laços frágeis de humanidade e desafiando a solidão.
O filme consegue traduzir os elos que se formam entre soldados e prisioneiros (quando Rosencof escreve cartas para as namoradas) ou a irracionalidade de quem participa, na debochada cena da ida ao sanitário.
A covardia dos órgãos internacionais e a covardia de quem autorizava ou praticava a crueldade não pode ser esquecida jamais, sob pena de se repetir.
E como diz a mãe de Mujica quando ele apresenta alguns sinais de loucura e desânimo: “Los únicos derrotados son los que bajan los brazos“.
Termino essa resenha com a letra de Simon e Garfunkel, que faz parte da trilha sonora do filme:
Hello darkness, my old friend
I’ve come to talk with you again
Disponível na Netflix.
Por Marcelo Beckhausen1Marcelo Beckhausen é Procurador Regional da República na PRR4, professor de Direito Constitucional na Unisinos e colaborador do DeC.
fantástico! dispensa comentários mais reflexões. Gratidão por compartilhar material tão rico.