Em março, completamos mais de um ano de pandemia no Brasil e ainda vivemos uma tragédia sem precedentes (com recordes de infectados e mortes diárias, sem qualquer paralelo), e que apesar de toda tristeza é permeada por trechos dignos de uma ópera-bufa (aliás, o gênero surgiu na forma de um intermezzi, um intervalo cômico entre os atos mais sérios da opéra), na maioria das vezes com nossos governantes como personagens principais. Mas ainda há momentos e pessoas que nos trazem esperança de dias melhores.
Profissionais de saúde
Estamos falando daqueles que trabalham diretamente com a COVID-19, e não de todos aqueles abarcados como prioridade pelo Plano Nacional de Vacinação…
São os nossos heróis, que se arriscam, que não tiveram (e permanecem sem) descanso e que se dedicam a salvar vidas. Deixamos registrados nosso agradecimento e nossa admiração, que também são extensivos aos profissionais de limpeza, de cozinha, de atendimento ao público e aos gestores (somente aos zelosos) que seguem no combate.
Ovo
Nem em Gilead o ovo era tão importante como ele é na pandemia. Bom, barato e versátil, ele é garantia de alimento nutritivo para as famílias que não dispõem de habilidades culinárias. Foi certamente um dos produtos mais queridinhos na pandemia, perdendo somente para o papel higiênico.
Lives
Começo de pandemia foi marcada pelas lives. Todo artista teve que fazer a sua. Mais de uma vez. Muitas vezes. Só no dias das mães foram 15 lives.
O uso exagerado esgotou o modelo tanto que as pessoas temiam abrir a geladeira e estar passando uma live dentro. Hoje estão em baixa, quase esquecidas, mas permanecem, renomeadas como eventos on line para disfarçar.
Margareth Dalcolmo
Dra. Margareth, com ar de diretora de escola 1º lugar no ENEM e com sua biblioteca maravilhosa ao fundo (#invejinha), é a rainha dos webinars e da mídia nacional.
Dá voz e representa as muitas mulheres cientistas, que nos orgulham todos os dias. Força e sensibilidade. Musa da vacina, é uma das vozes mais fortes contra o negacionismo que assola o país.
Ministro da Saúde 1 – Temos, quer dizer…
No começo da pandemia nos acostumamos a ter quase todo fim de tarde uma coletiva do Ministério da Saúde onde o ministro e/ou seus assessores – com os indefectíveis coletinhos do SUS – anunciavam as medidas adotadas e faziam um balanço de como andava o avanço da doença. Causou invejinha, por aparentemente ser mais eficiente e destoar do resto da trupe, e o confronto com a chefia foi questão de tempo.
O Brasil pré-Covid era uma referência em enfrentamento a pandemias e, entre erros e acertos, havia uma expectativa que poderíamos apostar na ciência para sairmos bem dessa. Perdemos o primeiro ministro da saúde por conta de que, quem decide, pensa diferente. 1Mandetta em entrevista depois afirmou: “Nós fizemos o ministério no combate ao coronavírus: defesa intransigente da vida, do SUS e da ciência. O comportamento do presidente bateu de frente com a ciência, com o SUS e com a vida. Aí ficou impossível, porque nenhum de nós podia sair das nossas prerrogativas. Então, ele resolveu substituir o ministro, não o Mandetta. O que ele exonerou foi a ciência.”
Ministro da Saúde 2 – o breve, que virou meme
O médico Nelson Teich foi escolhido para ser o segundo ministro da saúde, mas após a fala do presidente de que iria “exigir” do ministério a adoção de um novo protocolo indicando o uso da cloroquina, tratada como nossa “salvação” contra o coronavírus – e que já causara a crise com o ministro anterior -, também saiu, antes de completar um mês no cargo.
Apesar de ter virado meme, ficamos felizes que hoje já esteja recuperado de sua passagem pelo governo.
Kit Covid e Medicina BBB
A Medicina BBB2“Estamos na época da medicina BBB, feita por votação. Medicina e pesquisa de rede social. Você não consegue mais não dar cloroquina para um paciente meio grave. A família pressiona e, se você não der, no dia seguinte você não é mais o médico.” Médico Luiz Vicente Rizzo, diretor superintendente de pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein, em entrevista no dia 9 de abril de 2020., realizada por votação e indicação nos grupos de WhatsApp ganhou força, trouxe soluções mágicas para o tratamento da Covid, kits milagrosos, inclusive com o incentivo do governo federal.
Ah, fica a critério do médico e do paciente adotar, quase esquecemos…
Ministro da Saúde 2 1/2 – Dr. Hollywood
No longo tempo que tivemos até a efetivação do nosso terceiro ministro da saúde, perdemos a oportunidade de termos sido salvos da pandemia pelo Dr. Rey.
Uma lástima, poderia já estar tudo resolvido…
Ministro da Saúde 3 – Um manda e o outro obedece
Esta será uma das várias smoking guns no Nuremberg tupiniquim da Covid.
Em sua sesta, ainda com as dores e o cansaço de quem convalesce da Covid, o ministro Pazuello é acordado sem cerimônias pelo presidente, que ordena o cancelamento da compra da Coronavac.
Dois ministros da saúde que o antecederam agiram diferente; já Pazuello saiu-se com o proverbial “um manda e o outro obedece”, e desistiu naquele momento da aquisição. Em Nuremberg, aliás, a defesa calcada em obediência hierárquica não livrou muitos criminosos da forca.
Atualmente estamos no quarto ministro, sem muita certeza do que nos aguarda.
Ema
De nome científico Rhea Americana, a ema, usando e abusando de sua imunidade animal, foi protagonista de uma das cenas mais marcantes dessa pandemia.
Revoltada, bicou o líder da nação quando este tentou alimentá-la. O documentário do National Geographic sobre o ocorrido foi censurado por razões óbvias.
O zoom
O zoom (inclua-se aqui o teams, o meet, o webex e todos os similares) proporcionou grandes momentos nesta pandemia. Ele foi responsável por reunir famílias, amigos e colegas de trabalho ao redor do mundo.
Entretanto, com a overdose de reuniões, “vamos fazer um zoom?” chegou a ser a pergunta mais temida durante o ano.
O cúmulo da deprimência: festa junina. Melhor gafe: judge, I’m not a cat.
Clovis Arns da Cunha
Paranaense raiz, é a pessoa certa no lugar certo. No vácuo deixado pelo CFM (oi? alguém viu?), o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia teve de assumir a defesa da ciência diante de ataques injustos de gente ignorante.
Para nós, é uma alegria que ele esteja nos guiando. Talvez ele sonhe com o tempo em que atendia seus pacientes tranquilamente em meio às imagens de São Francisco de sua clínica.
Chuva de álcool gel
Em vídeo que viralizou e virou meme está a prova de que a criatividade e a ousadia humanas não têm limites. Sonhar alto!
Foi o que fez o vereador da linda cidade serrana de Canela ao sugerir uma pulverização de álcool com aviões utilizados na lavoura. Para nossa editora Carol, que ama álcool para assepsia desde que se entende por gente, “seria uma imagem do paraíso”.
Homeschooling
A pandemia obrigou as escolas – públicas e particulares – a adotar um método de ensino virtual que ficou conhecido popularmente como homeschooling apesar de estarmos dando nomes iguais a situações totalmente diferentes.
Serviu para quem tem filhos em idade escolar – ao colocar os pais como medidores do ensino entre a escola e seus filhos – valorizar ainda mais a importância dos professores na educação.
Onyx Lorenzoni vs Lockdown
“Se seu único instrumento é um martelo, todos os seus problemas serão pregos”. A frase de Mark Twain revela o viés da “deformação profissional”, segundo a qual a visão de mundo é moldada pela expertise de cada um, o que é tolerável e compreensível.
Mas tudo tem limite, e o ministro Onyx Lorenzoni exagerou: meteu-se a falar do que não conhece, e concluiu que lockdowns são ineficazes, porque os bichos seriam vetores do vírus, e os safadinhos não se submetem a ordens de prefeitos e governadores. Detalhe: o ministro é veterinário.
300 mil mortes e mais
Embora através dos chazinhos sempre tentarmos trazer algo mais leve, não podemos deixar de registrar que nessa semana contabilizamos mais de trezentas mil mortes, não decorrentes apenas do coronavírus, mas do descaso, da negativa da ciência, do menosprezo, da falta de empatia, da inexistência de uma política pública efetiva visando reduzir minimamente o massacre que ocorre no Brasil.
O número de mortos faz com que todos nós tenhamos perdido um parente, um amigo, pelo menos um conhecido.
O site inumeráveis busca ser um memorial virtual das vítimas, dando um nome, uma personalidade, a cada um desses números. O noepicentro busca mostrar ao usuário, a partir de referências familiares, o tamanho da epidemia no país. Apenas dois exemplos de sites que nos ajudam a entender melhor os números e dar uma dimensão mais humana a tragédia que vivemos.
Esperamos, sinceramente, uma mudança de rumos na condução da pandemia e que possamos todos sobreviver.
Por Fabiano.