O ódio como resposta
Não tinha visto nenhum trabalho de Raúl Arévalo como diretor e fiquei bastante impressionado com a secura (literalmente) e a tensão do suspense(?) “A fúria de um homem paciente” (Tarde para la ira, 2016), premiado com o prêmio Goya de melhor filme.
A trama, que se desenrola como um western, é revelada na metade do filme e gira em torno de José (Antonio de La Torre, sensacional em sua frieza e amargura) que quer encontrar Curro (Luís Callejo), motorista de um assalto que assistimos nos minutos iniciais do filme.
O roteiro trata da vingança adormecida, da dor que só pode ser aplacada simbolicamente pelo sofrimento alheio e da angústia de um sujeito que nunca conseguiu resolver as mazelas do destino.
O percurso escolhido, cuja agonia carrega consigo o telespectador preso pelas brilhantes atuações e a direção firme de Arévalo, do olho por olho, dente por dente, nos remete a Cabo do Medo (Cape Fear, 1991), com Scorcese e De Niro em grande forma, ou Irreversível (2003, com Monica Belucci e Vincent Cassel, um filme que dimensiona o tempo de tal forma que a vingança parece acontecer ao contrário).
Atormentado, José é a figura paralisada no tempo, aguardando o momento apropriado para descarregar sua ira. Os dois personagens principais estão presos (inclusive vestem os mesmos uniformes em uma das cenas) e parece ser uma reflexão oportuna para se fazer em tempos onde o ódio é a linguagem das redes sociais e não leva a lugar algum, nos aprisionando indefinidamente.
Ou como ensina Riobaldo, de Grande Sertão: Veredas:
"Vingar, digo ao senhor:
é lamber, frio, o que outro cozinhou quente demais."
Disponível na Netflix.
Por Marcelo Beckhausen1Marcelo Beckhausen é Procurador Regional da República na PRR4, professor de Direito Constitucional na Unisinos e colaborador do DeC.