O eclipse (L’eclisse, 1962)
A última comunicação
Alain Delon está se despedindo.
Aos 86 anos, após um AVC, pediu ajuda ao filho para uma morte digna, procedimento permitido na Suíça, onde vive, e publicou dia 25/03/22 post no Instagram com agradecimento (posteriormente o perfil foi excluído).
A ideia de um direito ao suicídio assistido sempre me interessou, como uma forma de liberdade e autonomia sobre a própria vida, sem interferência da religião ou de valores morais, com o sujeito consciente decidindo sobre seu próprio futuro.
Há tristeza. E a esperança reside em despedir-se sem ser atropelado pela dor e pelo sofrimento. Recebida a notícia, resolvi assistir um filme do cativante Delon.
O eclipse (L’eclisse, 1962), filme dirigido por Michelangelo Antonioni com a musa Monica Vitti. Completa a trilogia de Antonioni sobre alienação e incomunicabilidade na sociedade moderna, junto com A Aventura (1960) e A Noite (1961).
Na cena inicial, um casal se encontra em um apartamento, não conseguem se olhar e a mulher decide se separar.
É o primeiro ato de um longo caminho de ausência de comunicação, de diálogo, de afeto. Do vazio da modernidade. Do excesso de comunicação, representado pelas cenas na bolsa de valores, uma Babel mercadológica, onde poucos entendem a linguagem das ações, acompanhado pelo vazio que estas comunicações representam na vida dos participantes, entre frustrações e ganhos.
A cena do carro esportivo saindo da água, com uma pessoa morta dentro, é mais do que representativa do imediatismo da vida e os diálogos que se sucedem demonstram não só a ideia da alienação, mas da descartabilidade da vida.
Justamente aí é que talvez a escolha do Delon real repercuta mais. Quando a vida pode ser descartada e se essa decisão pertence a quem? Ou pertence ao Estado.
O filme segue a trajetória de dois jovens (Vitti e Delon), buscam se comunicar e o cenário da cidade vazia dos momentos finais é preenchido por algum envolvimento, um fio de esperança para as relações humanas.
A opção de Delon marca o fim de sua comunicação com o mundo (em que pese seu excelente legado artístico, imortal), mundo marcado pela rapidez e superficialidade, mas seja talvez a última comunicação que permita a mudança: para o coroamento de uma vida digna, uma morte digna.
Disponível no Telecine, Globoplay e Oldflix.
Por Marcelo BeckhausenMarcelo Beckhausen é Procurador Regional da República na PRR4, professor de Direito Constitucional na Unisinos e colaborador do DeC.