Um empurrãozinho que faz bem: ideias da economia comportamental para o combate à COVID-19

O meu primeiro contato com a economia comportamental foi por meio de um livro do Dan Ariely, chamado “A Mais Pura Verdade sobre a Desonestidade”. A leitura foi um divisor de águas. Um misto de perplexidade e alegria, um novo horizonte. Ali estavam as respostas que eu procurava. Ali estava o ponto de partida para a transformação. A partir de então, li vários livros e artigos e assisti a várias palestras sobre o assunto. Fiz amigos de fé.

Daí veio a COVID-19 (melhor não falar alto, pode dar azar). Como toda fundamentalista, eu comecei a pensar que a minha amada doutrina ia trazer a solução.

E não é que veio a boa nova? Um dos mentores mais cultuados da seita, o simpático, descabelado, santo milagreiro da multiplicação de livros, Cass Sunstein foi chamado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para ajudar a conter a praga. Louvado seja mil vezes! Mas o instrumento utilizado para a cura não vai ser a fé dessa vez, vai ser a ciência: ciência da economia comportamental.

Para aqueles que estão conhecendo a seita agora, a economia comportamental é uma disciplina relativamente nova, que ganhou grande reconhecimento com os estudos de Cass Sunstein, Richard Thaler e Daniel Kahneman. Seu objetivo é entender o comportamento humano, analisando os fatores psicológicos, emocionais, conscientes e inconscientes, que os influenciam. Alia conhecimentos na área de psicologia, economia e neurociência. Reconhece a existência de inúmeros vieses e que as atitudes do homem não são, em sua maioria das vezes, racionais. Através de pesquisas, busca analisar o que rege o comportamento humano. Seu campo de aplicação é vasto, tanto que vários países já possuem órgãos que tratam de economia comportamental para a elaboração de políticas públicas, tais como o “Behavioral Insights Team”, no Reino Unido, e o “Office of Information and Regulatory Affairs”, nos EUA.

A economia comportamental trabalha com a ideia de “nudges”. “Nudges” são “empurrõezinhos” para que a pessoa faça a coisa mais adequada para ela e/ou para a comunidade. Os empurrõezinhos servem como estímulos às boas escolhas e podem vir do governo ou da sociedade civil. O exemplo clássico de “nudge” é o do modo de disposição das comidas em um buffet. A arquitetura de escolha (“choice architecture”) recomenda que as comidas mais saudáveis sejam colocadas por primeiro e em lugares mais acessíveis no buffet. Já as comidas menos nutritivas devem ficar por último e em um lugar mais alto e mais longe. Isso faz com que as pessoas acabem consumindo mais comidas nutritivas. Não se tolhe a liberdade de agir, apenas se manipula a situação para que boas escolhas sejam feitas.

“Nudges” são importantíssimos em uma pandemia. A própria OMS reconheceu isso. Precisamos combater a fadiga da quarentena, incentivar o isolamento social, o uso de máscaras, a higiene das mãos e a solidariedade entre as pessoas. Como fazer isso? Cientistas dão algumas dicas que podem auxiliar.

Esperança e preocupação

Uma das maneiras mais efetivas de fazer com que as pessoas ajam de maneira correta em uma pandemia é a comunicação que mescla as ideias de esperança e de preocupação ao mesmo tempo. Deve-se passar a mensagem de esperança, sem, contudo, deixar a impressão de que nada está acontecendo ou de que o vírus é inofensivo. Deve-se passar a mensagem de preocupação, sem dar a entender que tudo está perdido. É esse equilíbrio que funciona. Isso faz com que o VIÉS OTIMISTA e de CONFIANÇA EXCESSIVA não levem a um abandono das medidas de higiene e de prevenção.

Engajar a sociedade para elaborar boas normas sociais

Em um estudo realizado para verificar que tipo de mensagem surtiria mais efeito para que as pessoas de um determinado bairro economizassem luz, foram mandados três tipos de mensagens aos moradores. Cada morador recebeu um tipo de mensagem. Uma delas apontava que o baixo consumo de luz poderia ajudar as gerações futuras, e outra dizia que ele levaria a uma economia nas despesas domésticas. A terceira mensagem alertava que os vizinhos já estavam engajados em reduzir o consumo. A mensagem que mais surtiu efeito foi a última, o que leva a crer que o comportamento humano se rege precipuamente em conformidade com o que os demais membros da sociedade entendem por legítimo e adequado (COMPORTAMENTO DE REBANHO). Assim, na atual pandemia, é importante que a comunicação foque nos bons exemplos da sociedade, a fim de que aquele comportamento se torne mais difundido.

Aproveitar hábitos já existentes

Um dos vieses tratados pela economia comportamental é o VIÉS DO STATUS QUO. Segundo ele, o ser humano, na maioria das vezes, tende a achar que mudar é pior do que manter os mesmos hábitos. Para vencer esse viés, podemos aproveitar hábitos antigos ou situações rotineiras para introduzir novos. Assim, podemos pensar em unir o hábito de lavar as mãos com a chegada a qualquer lugar público ou em casa.

Tornar a comunicação simples e visual e facilitar as medidas

Para a comunicação das medidas de contenção do vírus ser efetiva, ela precisa ser simples, objetiva e suficiente. Não é necessário falar demais, nem usar palavras difíceis. Desenhos são muito bem-vindos, assim como luzes, cores forte e sinalizações.

Outro fator importante para o engajamento nas medidas de prevenção relaciona-se com a arquitetura de escolha. O álcool em gel deve estar disponível na entrada dos estabelecimentos de uma maneira fácil, a uma altura razoável e de forma bem visível, por exemplo.

As crianças são altamente estimuladas com coisas que chamam a atenção. Pode-se colocar um brinquedo dentro do sabonete líquido a fim de que elas sejam “empurradas” a manipular o recipiente e a lavar as mãos, por exemplo.

Trazer algum tipo de recompensa para o presente

A economia comportamental explica que as nossas atitudes são muito mais baseadas em ganhar no momento presente do que em ganhar no futuro. Fazemos coisas que nos satisfazem agora, mesmo que isso implique perdas ou menos ganhos no futuro. Esse viés se chama VIÉS DO PRESENTE. As pessoas que têm esse viés mais acentuado tendem a aderir menos às medidas de prevenção da COVID-19. Uma forma de afastar essa tendência é dar às pessoas recompensas pelo fato de elas ficarem em casa. Ou seja, a recompensa não viria num futuro (não pegar COVID), mas já no presente. Ex: internet grátis, auxílios, etc.
Todavia, alguns aspectos da economia comportamental são influenciados pelas características culturais de uma sociedade. Na medida em que o Brasil é um país de baixa confiança (tanto no que diz respeito aos políticos, como no que diz respeito à sua sociedade civil), talvez medidas como as que foram mencionadas neste tópico não surtam efeito.

Focar as mensagens nos ganhos e não nas perdas

As escolhas feitas pelas pessoas dependem da maneira como elas são apresentadas. O motivo para tanto é denominado de EFEITO DE ENQUADRAMENTO. Via de regra, mensagens que levam em conta aspectos positivos tendem a ser mais efetivas para influenciar as pessoas do que aquelas que apontam efeitos ruins. Assim, no que diz respeito à COVID-19, seria interessante mostrar o que as pessoas ganham ficando em casa, e não o que elas perdem saindo. Como exemplo, poderíamos pensar no seguinte slogan: se você ficar em casa, a comunidade e sua família ganham.

Isso leva em conta também a HEURÍSTICA DO AFETO, segundo a qual nossas decisões se baseiam na emoção que sentimos ao ver, sentir, experimentar uma determinada coisa. Notícias ruins geram sensações ruins e podem ter um efeito contrário e desencorajador. Estudos de neurociência mapearam a atividade cerebral de alguns voluntários e perceberam que imagens que geram desconforto captam a atenção das pessoas, mas apenas por um curto período de tempo.

Trazidas essas considerações, é hora de implementá-las para o combate à pandemia. Infelizmente, aqui no Brasil, temos pouquíssimas políticas públicas que levam em conta esse campo tão vasto. Se os “nudges” governamentais já trariam muitos ganhos antes da pandemia, agora eles são ainda mais relevantes
Não obstante, além de não termos qualquer tipo de esforço dessa natureza por parte das autoridades governamentais, há autoridades que dão maus exemplos , agindo contra todas as evidências científicas acerca das medidas de prevenção. Não raro, autoridades são vistas em confraternizações, aos abraços e sem máscara. Isso não só não estimula as boas práticas, como as desestimula. Certamente, esse mau comportamento contribuiu para a grave situação em que nos encontramos agora. Mas ainda há tempo para aplicar a economia comportamental. E a sociedade civil pode se unir para tanto. Vamos pensar juntos em “nudges” pandêmicos.

Viva o paternalismo libertário!