O velho e o mar

O velho e o mar

Quando Hemingway, em 1952, apresentou ‘O velho e o Mar’ – seu último romance publicado em vida – parte dos críticos literários consideravam-no um escritor decadente. Isso por que, depois do grande sucesso de ‘Por quem os Sinos Dobram’, de 1940, Hemingway quedou-se num silencio literário que durou uma década, quebrado apenas no ano de 1950 com a publicação do romance ‘Na outra Margem, entre as Árvores” – obra mal recebida pela crítica e pelo público. 

Talvez, por isso, seja tão frequente entre os especialistas em literatura a afirmação que a obra se trata de uma metáfora da própria condição do autor. Nas palavras de Daniel Puglia, professor do Departamento de Língua Inglesa da USP, “a obra é vista como uma alegoria da dificuldade de alcançar o almejado, o sonho do que seria uma grande obra, reconhecida pelos outros”, que segue afirmando: “Ao mesmo tempo, é uma realização cheia de dor, cheia de pavor, de percalços, do medo de chegar na praia e só encontrar o esqueleto da obra”.

Outros críticos de literatura interpretam a obra como uma metáfora da própria condição humana, de uma vida cheia de luta e que ao final se depara com a solidão.

Hemingway refutou essas interpretações metafóricas afirmando, em relação a sua obra: “O mar é o mar. O velho é o velho. Todo simbolismo do qual as pessoas falam é besteira”

Sim, o mar é o mar e o velho é o velho. Mas quantas sensações podem ser vivenciadas na imensidão do mar? Quantos sentimentos cabem no coração de um velho?

O mar e o velho são personagens de Hemingway e a ele pertencem, assim como os seus significados e as suas simbologias.

Ora, mas depois de publicada a obra, de certa forma o autor perde o domínio do significado e da simbologia de seu texto, porque cada leitor encontrará ‘seus’ próprios significados e simbologias, a partir do ‘seu’ olhar particular, a partir de ‘suas’ próprias vivências. 

É essa liberdade – de poder olhar as personagens a partir das minhas vivências – que faz da leitura uma torrente de sensações e sentimentos. A leitura não é um diálogo apenas com o Autor e muito menos com a crítica literária. A leitura é, principalmente, um diálogo com as personagens. 

O que importa para o leitor é apenas o que elas – as personagens – dizem.

A primeira vez que li ‘O velho e o mar’ eu era ainda muito jovem e creio que, em razão da ansiedade e impaciência tão próprias daquela idade, eu não consegui entender o que me diziam o velho e o mar…

Recentemente, numa tarde, deparei-me com o livro por acaso e comecei a lê-lo novamente. Logo depois das primeiras páginas eu já estava completamente envolvida naquele diálogo com o mar e sua imensidão e com o velho e os seus sentimentos.

Agora vai rolar um spoiler.

Santiago é um velho pescador, bastante experiente, mas que se encontra numa fase de má sorte, estando há 84 dias sem conseguir pescar um peixe sequer. Manolin, o jovem amigo do velho pescador, o incentiva a mais um dia sair para o mar (embora o próprio Manolin não o possa fazer na companhia de Santiago, pois os pais do jovem desejam que ele saia no barco de pescadores mais bem-aventurados). Na manhã do 85º dia, na sua pequena embarcação, Santiago consegue capturar um Marlin de tamanho descomunal, com aproximadamente sete metros de comprimento e pesando mais de meia tonelada.

O peixe oferece muita resistência e arrasta a embarcação de Santiago cada vez mais para alto-mar. Santiago sofre com o sol cegante e abre feridas nas mãos e nas costas, de tanto lutar com peixe.

Depois de horas, Santiago consegue finalmente matar o peixe e amarrá-lo junto ao casco de sua canoa (a dimensão do peixe impede que seja colocado dentro da embarcação). Porém, durante o retorno à terra firma, a sua grande pesca sofre constantes ataques de tubarões.

Quando finalmente consegue chegar à praia, o Marlin está quase todo devorado pelos tubarões, restando apenas a sua carcaça, e Santiago está completamente exaurido.

Curta-metragem premiado com o Oscar em 2000 de melhor animação

Hemingway utiliza de recursos literários e linguagem bastante simples (característica percebida em suas outras obras), e ao mesmo tempo (ainda que não tenha sido sua intenção) constrói a história com uma temática metafórica sofisticada.

Para mim, a essência da história de ‘O Velho e o Mar’ é a luta do homem com o mundo exterior e, também, com as suas próprias limitações. Ao mesmo tempo, é uma história sobre respeito, perseverança e, principalmente, sobre a responsabilidade que cada um tem em relação a suas próprias escolhas.

Santiago, apesar de toda a dureza da vida, consegue olhar para fora de si e solidarizar-se com criaturas que julga ter uma vida mais difícil que a sua:

“As aves têm uma vida mais dura do que a nossa, exceto as aves de rapina e as mais fortes. Por que existiriam aves tão delicadas e frágeis, como as andorinhas-do-mar, se o mar pode ser tão violento e cruel?

O mar é generoso e belo. Mas pode tornar-se muito cruel e tão repentinamente, que essas aves que voam, mergulhando e caçando, como as suas fracas e tristes vozes, são demasiado frágeis para o mar.”

Durante a ‘luta’ no mar, o velho Santiago se dá conta de que não sabe da coragem e das fragilidades de seu oponente e que o inverso também ocorre, pois o Marlin nada sabe sobre o pescador. Reconhecer – tanto em si mesmo como em seu adversário – a existência de coragem e fragilidade, de defeito e virtude, isso humaniza a luta.

“Depois começou a ter pena do enorme peixe que agarrara. “É maravilhoso e estranho, e quem saberá que idade tem?!”, pensou o velho. “Nunca pesquei um peixe tão pesado e tão estranho! Talvez seja demasiadamente inteligente para saltar. Podia acabar comigo se saltasse ou se se lançasse numa disparada louca. Mas talvez já tenha sido fisgado mais vezes e saiba que é assim que deve levar a cabo sua luta. Não tem meios de saber que sou apenas um homem contra ele, nem que sou apenas um velho. Mas que grande peixe ele é e que fortuna deve valer no mercado, se tiver boa carne. Agarra a isca como um macho e puxa como um macho, e em sua luta não há pânico. Terá algum plano ou estará tão desesperado como eu?”

Santiago, mesmo diante da exaustão que a luta com o imenso Marlin lhe causou, mantém o espírito de perseverança.

“Agora estou derrotado”, pensou ele. “Sou demasiado velho para conseguir, com martelada, matar um tubarão. Mas tentarei, enquanto tiver os dois remos, o martelo e o leme”.

“Mesmo assim trago metade do peixe”, pensou o velho. “Pode ser que tenha a sorte de trazer a parte da frente. Mereço ter um pouco de sorte. Não”, disse ele. “Você abusou da sorte quando se afastou tanto da costa”.

– Não seja estúpido – disse em voz alta. – E não adormeça. Preste atenção ao leme. Ainda pode ser que venha a ter muita sorte. Gostaria de comprar um pouco de sorte se houvesse algum lugar onde a vendessem.

“Mas com que poderia eu comprá-la?”, perguntou-se. “Poderia comprá-la com um arpão perdido, com a faca partida ou com estas duas mãos em carne viva?”

– Talvez – respondeu em voz alta. – Você tentou comprá-la com oitenta e quatro dias no mar. Quase lhe venderam isso também.

“Não posso continuar a pensar nesses disparates. A sorte é uma coisa que vem de muitas formas e quem é que a pode reconhecer? Por mim, aceitaria um bocado de sorte fosse qual fosse a forma como viesse e pagaria o que me pedissem por ela. Gostaria de poder ver o brilho das luzes. Estou sempre desejando coisas. Mas essa é a coisa que mais desejo agora”.

Santiago, já na praia, termina com a seguinte conclusão:

“Eu nunca tinha sido derrotado e não sabia como era fácil. E o que me venceu?”, pensou ele.- Nada – disse em voz alta. – Fui longe demais, foi isso.

Após se ver vencido, o velho Santiago não tenta justificar ou atribuir a culpa ao mar, aos tubarões ou a sua má-sorte. O velho reconhece que a derrota foi consequência de suas próprias escolhas. E com a serenidade que essa consciência lhe dá, o velho deixa a sua embarcação na praia, sem recolher seus apetrechos. Não se lamenta. Apenas caminha sozinho até sua cabana com o desejo de descansar da grande luta travada em alto mar. 

Quanto a mim… dessa vez, ‘o velho e o mar’ me disseram muito … me comoveram profundamente. Enquanto o velho caminhava até sua cabana, eu o observava silenciosamente, sentada à mesa de um café.

Mas Hemingway foi muito generoso comigo. Eu não estava sozinha. Manolin – o jovem amigo do velho – o observava, comovido, junto comigo.

Por Daianne Souza.




Livros de junho 2021

Livros

Metade do ano e seguimos com o book haul.

Não necessariamente indicações, mas livros que compramos e alguns nem temos certeza ainda se merecem permanecer em nossa biblioteca pessoal.

Neste mês, também resolvi comprar livros de mulheres que ganharam o Nobel de Literatura. O livro A Pianista foi o primeiro romance de Elfride Jelinek, austríaca, que ganhou o prêmio em 2004. Trata da relação conflituosa entre mãe e filha, que, adultas, continuam dividindo a mesma cama. O que já não era bom fica ainda pior quando surge um aluno com quem a filha se envolve. Vou deixar para ler depois da pandemia.

Já o livro O Olho Mais Azul foi escrito por Toni Morrison, primeira e única mulher negra a ganhar o Nobel de Literatura. Conta a história de uma menina negra que queria ter o olho azul. A ideia do romance surgiu de um fato real da vida da escritora, quando uma colega disse que queria ter olhos claros. Já li bastante coisa com temática racial, mas acho que este livro foi o melhor de todos.

Antes de tudo, quero dizer que ler em e-book não é exatamente o que gosto de fazer, mas às vezes é necessário. Neste caso, eu havia terminado a leitura anterior e o próximo livro ainda não tinha sido entregue pelos Correios. Como tempo não se perde, busquei algo que pudesse começar a ler imediatamente.

“Dom Quixote” é um daqueles clássicos que eu só conhecia por resumos e comentários. Sempre tive vontade de ler, mas o tamanho do livro acabava colocando-o em desvantagem. Desta vez encarei e não me arrependo nem um pouco. A obra concilia uma história sensacional de um autodeclarado herói que emergiu após ter ficado completamente maluco, permeada de várias outras histórias e contos paralelos relacionados aos inúmeros personagens que vão aparecendo no desenrolar da trama. Cada um desses contos já vale a leitura por si. Aventuras, dramas e comédias fazem o leitor rir, chorar e ficar apreensivo de uma hora para outra. Cervantes demonstrou-se um gigante maior do que aqueles fictícios constantemente combatidos por D. Quixote.

Uma amor Feliz de Wislawa Szymborska. A poetisa polonesa foi premiada com o Nobel em 1996, e caracterizada pela Academia de Estocolmo como “uma poesia que, com precisão irónica, permite que o contexto histórico e biológico se manifeste em fragmentos da realidade humana”. A edição do livro é bilingue, embora eu não entenda uma palavra de polonês…

"Nada acontece duas vezes
nem acontecerá. Eis nossa sina.
Nascemos sem prática
e morremos sem rotina."

O Livro das Semelhanças de Ana Martins Marques. Junho acabou sendo para poesias e acabei adquirindo também esse livro da poetisa mineira. Aliás creio que tenho a mesma percepção sobre livros com o título “Poemas Reunidos”:

"Sempre gostei dos livros
chamados poemas reunidos
pela ideia de festa ou quermesse
como se os poemas se encontrassem
como parentes distantes
um pouco entediados
em volta de uma mesa (...)"
Livros_06_21_gab
Gabriel

Duas indicações são na verdade da colega de blog, a Carol, os livros do Marçal Justen e Daniel Wang. Então melhor cobrar dela resenhas e comentários.

Os demais sobre saúde são artimanhas do algoritmo da Amazon, que fizeram alguma conexão quando comprei o livro do Daniel.

O livro sobre a LINDB não consegui abrir, mas é uma leizinha tão revolucionária que mereceu a aquisição, e os autores também são garantia de qualidade. Prometo uma postagem mais analítica no próximo bookhaul.




Livros de maio 2021

Velhinhas felizes

Fim de maio e novamente temos o nosso book haul.

Não necessariamente indicações, mas livros que entendemos que merecem estar em nossa biblioteca pessoal.

Do maior para o menor:

1) Noise – O livro dos musos Kahneman, Sunstein e Sibony estava sendo aguardado desde o ano passado. Traz o conceito de “barulho”, que, juntamente com vieses, pode interferir em processos de decisões.

2) Direito e Políticas de Saúde – Livro do também muso Daniel Wang. A obra reúne vários artigos, que inauguraram uma nova forma de enxergar a judicialização da saúde e o SUS. Sempre corajoso e cuidando para não se ver preso a seus vieses, Daniel merece ser lido sempre.

3) A Resistência- A escrita de Julián Fuks sempre me emociona. O livro ganhou o prêmio Jabuti 2016 e é o primeiro que compro dele.

Mês que vem trarei só musas, prometo.

O livro do Virgílio Afonso da Silva eu comprei neste mês porque acho que é um dos maiores constitucionalistas brasileiros da atualidade, porque eu precisava aumentar e atualizar minha biblioteca de Direito Constitucional e porque o encontrei por um preço imperdível na internet.

Já o livro do Lima Barreto eu fui buscar no fundo do armário da casa de meus pais para surfar na onda das releituras de clássicos da literatura nacional (aqueles que não entendemos quase nada quando lemos na adolescência por imposição dos professores).

Escolhi “Recordações do Escrivão Isaías Caminha” porque – além do estilo de escrita do autor, sempre objetivo, cheio de ironias e sarcasmos, que eu adoro – a obra faz uma análise social crítica que sempre desperta o meu interesse. Neste livro, Lima Barreto narra a trajetória de um jovem simples, que cresceu no sítio, ainda assim estudou muito e, por isso, sentiu-se confiante para fazer uma faculdade e ganhar vida no Rio de Janeiro do início do século XX. Todos os sonhos esvaíram-se logo após o rapaz chegar à cidade grande e se deparar com a realidade política, social e cultural carioca. No final das contas, Isaías Caminha passa por sérios apuros, custa a encontrar um trabalho modesto em um grande jornal da cidade e, com base em sua experiência de vida e de trabalho, tece ácidas críticas à sociedade e à forma de atuação da imprensa então existente.

Sempre a mesma neve e sempre o mesmo tio de Herta Müller. A escritora alemã, nascida na Romênia, premiada com o Nobel em 2009, em seus relatos relembra as condições de vida na Roménia sob o regime de Nicolau Ceausescu e a presença de uma polícia política implacável, a Securitate.

Só a história dos pais de Herta já seria suficiente, o pai ingressou voluntariamente na SS nazista e sua mãe foi deportada para um campo de trabalhos forçados da União Soviética por cinco anos. Mas se revelam no texto as lições de que nos regimes antidemocráticos a política é feita não somente pelos convictos, mas pelos subservientes. Todos aqueles que não se viram contra esse tipo de política são parte dela.

E uma das coisas que chamam a atenção são os títulos de alguns de seus livros: “O homem é um grande faisão no mundo”, “O rei se inclina e mata”, “Minha pátria era um caroço de maçã”.

Livros gabriel
Gabriel

Duas leituras para um processo a ser julgado futuramente, o primeiro mais para releitura.

O livro do Singh é uma delícia de divulgação científica, e apresenta conceitos e história da medicina baseada em evidências com uma riqueza de detalhes e episódios que marcaram a racionalização da medicina. Histórias como a da lendária enfermeira Florence Nightingale, que por meio de medidas de controle sanitário de hospitais militares, estatísticas e inovadores powerpoints da época (os gráficos pizza que desenvolveu) reduziu a mortalidade de soldados internados de 43% para 2%.

A coletânea organizada por Pozen reúne artigos produzidos sobre novos desafios da liberdade de opinião. Para despertar o interesse de vocês, apenas uma referência ao divertido artigo do Tim Wu intitulado “A 1a emenda estaria obsoleta?”: ele relata que o governo chinês evita a censura à moda antiga, utilizando em seu lugar técnicas para desviar a atenção do público de ideias desconfortáveis para o regime. Os chineses evitariam assim o “efeito Streisand”, uma homenagem à infame tentativa da atriz Barbra Streisand de proibir a divulgação de fotos de sua casa, e que no fim atraiu muito mais interesse pelo material dos paparazzi.

Ilustração do post Inge Löök




Livros de abril 2021

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Abril começa com o dia da mentira e termina com nosso book haul.

Não necessariamente indicações, mas livros que entendemos que merecem estar em nossa biblioteca pessoal.

Quincas Borba

Depois de quase 30 anos, voltei a ler Machado de Assis. Lembro de ter lido na escola e achado muito chato, o que fez com que eu apagasse o autor do meu mundo literário. Por sorte, venci o ranço e pude me divertir e aprender com as suas obras. Isso me faz pensar se deveríamos obrigar os jovens a ler os clássicos. Vamos ver se encaro agora o Aluísio Azevedo.

Humanidade – uma história otimista do homem

Comprei por indicação de uma amiga. Aproveitando o fenômeno Yuval Harari, os editores colocaram uma indicação dele na capa também. Trata do tema da evolução da humanidade. A conclusão é de que estamos evoluindo. Apesar de eu achar que a evolução não é linear e que avançamos em algumas áreas e regredimos em outras, vamos ver se o saldo da história dos sapiens é positivo.

P.S.: O editor acabou de me alertar que Felipe Neto fez vídeo falando sobre a leitura dos clássicos na escola. Não sabia, mas concordo com o youtuber.

Eu gosto muito de ler sobre as ciências sociais em geral, especialmente direito (meio óbvio, né?), história, sociologia e ciência política.

Tudo isso está presente – junto e misturado – neste livro. Não tinha como dar errado.

A obra trata da saúde pública no Brasil desde suas origens, ainda no final do império. Explica a sua evolução e os contextos sanitários, sociais, econômicos e políticos pelos quais ela passou e foi se consolidando em nosso país como ciência, como política pública e como direito. Aborda a construção do SUS a partir dos seus primórdios, bem antes de ser institucionalizado. Explica como ele foi lapidado pelos cenários políticos e sociais de cada momento e como reflete diretamente a evolução da democracia brasileira. Com base em todo esse retrospecto histórico, traça perspectivas para o futuro, críticas e apontamentos de virtudes do sistema de saúde que hoje temos.

Ainda estou no meio da leitura, mas adorando o que já li, principalmente os textos que tratam da parte histórica da saúde pública e do SUS.

Sobre Gatos de Doris Lessing. Aos 88 anos, foi a mulher mais idosa a receber o prêmio Nobel, em 2007. A escritora britânica nasceu na Pérsia (atual Irã), e dos 6 aos 30 anos viveu na Rodésia do Sul (atual Zimbábue).

O livro é autobiográfico, ou melhor, mais uma biografia dos gatos com os quais conviveu. Ao contrário do que possa parecer, acaba sendo angustiante para quem gosta de felinos, especialmente na primeira parte em que o controle de natalidade dos gatos em uma fazenda na África era um tanto cruel, visto aos olhos de hoje.

Não espere um livro tão comovente sobre gatos, mas um grande livro, sem sentimentalismo e com uma narrativa fluente. Me fez querer conhecer mais da obra da autora.

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Gabriel

A recente leitura noturna do Martin ensina que a bruxa querida, que dá carona para vários animaizinhos em sua vassoura voadora, será eventualmente recompensada: quando precisa combater um dragão que vai devorá-la, será salva pelos caroneiros peludos. Lição para toda a vida, e ilustrações bem bonitas.

O livro do Barroso é leve e enriquecedor. Mistura algumas notas biográficas com pinceladas sobre as grandes questões da atualidade, com remissões bibliográficas da melhor qualidade. Sempre orgulhoso do nosso Steven Pinker do STF.

Por fim, o romance histórico de Antonio Scuratti sobre a ascensão de Mussolini ao poder na Itália é um “page turner” e tanto. Ensina como o discurso do “nós versus eles” sempre terá apelo na história humana e como a omissão das instituições e da política conduzem a sua perdição, e de vez em quando aparece uma frase para guardarmos para citações futuras: “é com esse material de baixa qualidade -essa humanidade de demolição- que se faz a história” . Tudo em volta a personagens fascinantes: só os relatos dos feitos de Gabriele D’Annunzio, o poeta-político-herói-de-guerra-sex-addicted, que conquistou e fundou uma república e produziu uma constituição de vanguarda em 1920, já justificam a leitura.

As vinhas da ira (John Steinbeck)

Escrito em 1939, retrata o drama dos trabalhadores do campo após a grande depressão de 29, com foco especial na família Joad que sai de Oaklahoma junto com tantas outras em busca de trabalho na Califórnia, após ser expulsa da fazenda que arrendava.

Para escrever a obra, John Steinbeck acompanhou por dois anos um grupo desses migrantes, de acampamento em acampamento rumo à Califórnia. A obra gerou grande polêmica à época do lançamento, o escritor chegou a ser investigado pelo FBI, houve uma tentativa de banir o livro das bibliotecas americanas por parte de um deputado, que alegava que o livro era uma mentira e em algumas cidades o livro foi queimado…no fim das contas, ganhou o Pulitzer e versão para o cinema. Só isso já bastaria para indicar sua leitura.

Conta a saga dos ”Okies” em sua migração mas reflete a condição de todos os refugiados do mundo, a busca da terra prometida…uma obra com valor social, ético e político, sem perder a poesia.

É um livro marcante.




Por quem os sinos dobram?

sino

Para mim, esse é um dos títulos mais bonitos da literatura universal. Hemingway inspirou-se num dos sermões do padre anglicano John Donne, que viveu no Século XVII.

“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”

Meditação XVII – John Donne

Os sinos fazem parte de uma tradição quase em desuso. Mas no passado eram reconhecidamente uma ‘voz’ importante em qualquer comunidade. Suas badaladas marcavam o tempo, acompanhavam solenemente a liturgia das missas, estabeleciam o compasso das procissões, anunciavam nascimentos, casamentos, funerais.

Hemingway, de certa forma, fala dos sinos que anunciam a morte de cada um de nós quando o que nos faz humano começa a morrer.

As obras de Hemingway, em geral, são bastante autobiográficas. Se ‘Adeus às Armas’ retrata as experiências que viveu durante a Primeira Guerra Mundial, quando se alistou na Cruz Vermelha e conseguiu uma vaga de motorista de ambulância na Itália, ‘Por Quem os Sinos Dobram’ é claramente influenciada pelos acontecimentos em torno da ‘ofensiva de Segóvia’, ocorrida durante a Guerra Civil Espanhola, época em que o Autor trabalhou como correspondente de guerra em Madrid.

foto de Hemingway
Ernest Hemingway ao lado do cameraman e dois soldados durante a Guerra Civil Espanhola.

Por quem os sinos dobram é uma obra extensa. A edição que eu li tem em torno de 650 páginas. No entanto, toda a história se passa em apenas três dias e meio da vida do protagonista Robert Jordan – um americano, professor de língua espanhola, que se alista junto ao exército republicano (que luta contra os fascistas) e é encarregado de explodir uma ponte estratégica para os fascistas, próxima à Segóvia.

Robert Jordan é enviado para sua missão numa região montanhosa, ocupada pelos guerrilheiros republicados, em sua maioria camponeses locais e ciganos. E são esses guerrilheiros que vão auxiliá-los em sua missão.

Tendo a Guerra Civil Espanhola como pano de fundo e a explosão da ponte como eixo condutor, a história ganha força a partir das relações de Robert Jordan e os guerrilheiros que ele encontra na montanha, em especial Pablo (velho guerrilheiro, atualmente bêbado e decadente, tomado de certa covardia, mas que no passado comandou o grupo com valentia e astúcia), Pilar (velha cigana, que já foi da vida, tornou-se companheira de Pablo e muito respeitada pelo grupo de guerrilheiros. É a personagem de maior densidade na obra de Hemingway), Maria (jovem que vê a família ser morta pelos fascistas e acaba sendo salva pelo grupo de Pablo e Pilar), e Anselmo (velho camponês que faz parte do grupo de Pablo e Pilar e que ganha a admiração de Jordan por sua lealdade).

Cartaz no pasarán!
Cartaz propaganda de convocação para luta contra o fascismo

Ao chegar a montanha, Robert Jordan está concentrado unicamente em sua missão. Recebido, inicialmente, por Pablo e Anselmo, longo no primeiro contato fica evidente a desconfiança recíproca entre o protagonista e Pablo.

Pablo não é um personagem que ganha a simpatia do leitor. Há nele um cinismo irritante. Ao contrário dos demais guerrilheiros que apoiam a todo tempo a ação de Robert Jordan, Pablo desde o início mostra-se avesso a sua empreitada e no decorrer da história tenta, inclusive, boicotá-la.

Todo o descontentamento de Pablo é explicado logo no primeiro capítulo. Ele sabe que a partir do momento em que a ponte for explodida, todos que se escondem naquelas montanhas passarão a correr risco.

Num diálogo com Robert Jordan, Pablo afirma: “Você não pode sair explodindo pontes perto de onde mora. Você vive num lugar e opera em outro. Eu sei o que faço. Quem está vivo hoje em dia, após um ano neste lugar, sabe muito bem o que faz” e segue dizendo: “Eu vivo aqui e opero para além de Segóvia. Se você perturbar este lugar, seremos afugentados destas montanhas. É somente porque não fazemos nada por aqui que podemos viver nestas montanhas”.

Mas Robert Jordan tem uma missão. Naquele momento, nada e ninguém importa para ele. Tudo nele está centrado em seu único objetivo: explodir a ponte.

Contudo, condições extremas – como a guerra – têm a capacidade de potencializar os sentimentos. A convivência nestas circunstâncias, ainda que por poucos dias, estabelece fortes vínculos entre as pessoas.

No terceiro dia na montanha, na companhia dos guerrilheiros, Robert Jordan, em pensamento, conclui: “Dois dias atrás eu não sabia que Pilar, Pablo e os outros sequer existiam. Não havia no mundo nada parecido com Maria. Com certeza o mundo era muito mais simples”. Neste momento, Robert Jordan não é mais apenas um soldado com sua missão. Ele, indiscutivelmente, se depara com uma dimensão mais humana de si mesmo. O futuro daqueles que moram nas montanhas passa a ser uma preocupação para Jordan. Mas ainda há a missão a ser cumprida.

É dessa humanização/desumanização que Hemingway fala. Em ‘Por Quem os Sinos Dobram’ Hemingway conseguiu escrever um dos trechos mais impactantes de todas as suas obras: a narrativa que Pilar faz a Robert Jordan, contando-lhe dos acontecimentos numa ocasião em que Pablo e seu grupo tomaram um vilarejo até então controlado pelos fascistas.

As autoridades – que eram fascistas – foram presas no ‘ayuntamiento’, o maior edifício do vilarejo, localizado de um dos lados da ‘plaza’ central. Do lado oposto, a ‘plaza’ terminava junto à beira do penhasco que se debruçava sobre um rio. Uma multidão se aglomerava do lado de fora do ‘ayuntamiento’. Pablo organizou duas filas de pessoas munidas de manguaisinstrumento utilizado para debulhar cereais, que consiste em um pau comprido e fino, que serve de cabo, ligado por uma correia de couro a outro cabo, curto e grosso que atravessavam a ‘plaza’ formando um corredor desde a porta do ‘ayuntamiento’ até a beira do penhasco. Pablo concedeu aos presos o direito de se confessarem diante de um padre e de receberem os sacramentos necessários. Depois, fez com que os presos, um a um, saíssem do ‘ayuntamiento’ e atravessassem o corredor humano, para que fossem espancados com os manguais e depois arremessados ao rio do alto do penhasco.

Quando o primeiro preso saiu, “caminhou entre as colunas de homens com manguais, e nada. Passou por dois homens, quatro, oito, dez e nada. Caminhava de cabeça erguida entre aquelas duas paredes de homens, a cara gorda, piscando e virando alternadamente os olhos para os lados, e mantendo o passo. E nada aconteceu”. Mas bastou um primeiro homem tomar a coragem de açoitá-lo, que os demais o seguiram. E a cada um dos presos que passava pelo corredor humano, maior era a brutalidade dos ataques.

Nessa cena criada por Hemingway nos deparamos com seres humanos na crueza de suas realidades. Os condenados desfilaram naquele corredor os mais variados sentimentos humanos – alguns caminharam com medo, outros com bravura, outros com a cabeça levantada para mostrar dignidade, outros com desespero. Já os agressores, destituíram-se de toda a humanidade, e numa ação violenta em massa, agiram como animais reunidos em manada.

O personagem que faz um introspectivo contraponto a esse momento de barbárie é o velho Anselmo – homem bom e leal, atormentado pela consciência dos horrores da guerra. Em seus pensamentos, absorto, dizia a si mesmo: “Deve ser realmente um grande pecado. É claro que não temos o direito de matar alguém, mesmo que, como sabemos, seja necessário. … Queria não pensar tanto nisso. Queria que houvesse uma penitência que eu pudesse começar agora, pois é a única coisa, em toda a minha vida, que me faz sentir muito mal quando estou sozinho. Todas as ações são perdoadas, ou se tem a chance de repará-las com a bondade, ou de outra forma decente. Mas acho que matar é um pecado grande demais, e eu gostaria de compensá-lo.”

Anselmo, com suas simples verdades, é um personagem que comove o leitor.

Em ‘Por quem os Sinos Dobram’ Robert Jordan e Maria se apaixonam instantaneamente (assim como Frederic Henry e Catherine Barkley em ‘Adeus às Armas’). Num primeiro momento, a narrativa de Hemingway sobre o amor é quase leviana. Na vida real, dificilmente o amor acontece assim. Mas na história de Hemingway tem a guerra e, com ela, a imprevisibilidade do futuro e a possível escassez de tempo. As circunstâncias da guerra potencializam a urgência do amor.

“Sendo assim, se a vida de alguém pode trocar setenta anos por setenta horas, eu tenho este montante agora, e tenho a sorte de saber disso. E se não existir esta coisa de um longo tempo, nem para o resto de suas vidas, tampouco daqui para frente, mas existir somente o agora, então que se glorifique o agora, e ficarei muito feliz com isso. (….) Agora tem um som engraçado para conter um mundo inteiro e a sua vida.”

Como nas demais obras, a escrita de Hemingway é muito simples, mas tal como ocorre em ‘O Velho e o Mar’, a temática aqui é profundamente humana. Com diálogos magistralmente estruturados, ‘Por quem os Sinos Dobram’ é uma obra que envolve o leitor e o faz prosseguir até mesmo quando o texto se torna um pouco mais arrastado.

E ‘Por quem os Sinos Dobram’ afinal? Eles dobram por todos nós.

Por Daianne Souza.




Livros de março 2021

março 2021

As águas de março fechando o verão e seguimos compartilhando nossos livros adquiridos (nosso book haul mensal).

Não necessariamente indicações, mas livros que entendemos que merecem estar em nossa biblioteca pessoal.

O livro Sociedade de Risco Mundial foi indicado na aula de nanoterapias que eu tive em um curso de direito do medicamento. O autor, sociólogo alemão, analisa os riscos gerados pela sociedade globalizada, frutos principalmente de coisas que são boas para a humanidade.

O Lustre é um romance pouco conhecido da nossa musa Clarice, e a edição da foto é comemorativa do seu centenário. Li as primeiras páginas e já vi que vai ser uma leitura difícil, com jeito de romance policial introspectivo psicanalítico libertador.

De tempos em tempos, eu procuro clássicos da literatura que, com vergonha, lembro que ainda não li. Também de tempos em tempos, procuro espairecer a mente com leituras que não exigem esforço de aprendizado e me fazem descansar (um pouco) da realidade.

Por isso que resolvi ler “O Processo”, obra prima do Franz Kafka. Só depois que me dei conta de que talvez ela não sirva para me afastar tanto assim das discussões da vida real, como sugere o trecho da história reproduzido na contracapa.

A Pianista, de Elfried Jelinek. A meta de uma ganhadora do Nobel a cada mês até o final de 2021 trouxe-me a esse livro da escritora austríaca, premiada em 2004. Uma história crua e visceral sobre uma pianista, Erika Kohut, que dá aulas na conservatória de Viena e reside com a mãe opressora.

Sem saber, eu e Bruno escolhemos nesse mês livros que se encontram, apesar de serem completamente diferentes. A opressão é tema comum nas narrativas, tanto que por vezes a protagonista é designada como Erika K., ou apenas K, que remete, em certa medida, ao personagem Josef K., de O Processo.

O livro já foi adaptado para o cinema pelo também austríaco Michael Haneke (A professora de piano, 2001, com Isabelle Hupert) e, para quem conhece as obras do cineasta, não poderia ser escolha melhor.

Jane Austen

Em homenagem ao bicentenário da morte de Jane Austen, o Reino Unido lançou uma nota de 10 libras com seu retrato, com a frase “I declare after all there is no enjoyment but reading”, do livro “Orgulho e Preconceito”, isso já bastaria para mostrar sua importância para a literatura.
Tendo sempre mulheres como protagonistas, criou personagens ricos. A leitura é leve mas está longe de ser rasa. Nos livros há ironia, humor, compaixão, amor e um retrato preciso da natureza humana.
Deixando de lado os grandes acontecimentos da era Georgiana para retratar a vida cotidiana, traz enredos gostosos, divertidos e envolventes, isso tudo sem perder a profundidade para um leitor atento.
Leia todos ou qualquer um deles… porque a vida precisa de um pouco de leveza…

Ilustração do post Pascal Campion




Livros de fevereiro 2021

book haul fev 21

Fevereiro, mês curto, e compartilhamos, nossos livros (nosso book haul).

Não necessariamente indicações, mas livros que entendemos que merecem estar em nossa biblioteca pessoal.

Sempre me interessei pelo(s) limite(s) entre a loucura e a normalidade.

A obra de Machado de Assis, O Alienista (1882), trata do tema com a irreverência que é peculiar ao autor e dialoga com o conto Enfermaria n. 6 (1892) que está neste livro de Tchekhov.

Os pontos de convergência entre as duas obras são muitos, frutos do acaso, já que Tchekhov não tinha como conhecer o romance do escritor brasileiro, que havia sido publicado 10 anos antes.

Aliás, desconfio que Clóvis Beviláqua não leu O Alienista. Se tivesse lido, não teria tratado os “loucos de todo gênero” como incapazes no Código Civil de 1916…

Bruno fev 21

Na época pré-pandemia (vocês ainda lembram dela?) eu costumava viajar de avião. Em um dos momentos de espera pelo voo, circulando pelo aeroporto de Curitiba, entrei em uma livraria em que os próprios clientes escolhiam os livros, passavam o cartão na máquina ou colocavam o dinheiro na urna, pegavam os livros escolhidos na estante e os levavam. Não havia nenhum funcionário. Os preços eram atrativos demais, apesar de o acervo não ser tão interessante para o meu gosto.

Fuçando bastante, encontrei esse livro. Nunca tinha ouvido falar dele nem do autor, mas o tema me cativa muito. Com um preço tão baixo, uma capa dura tão bonita, mais de 800 páginas, um resumo instigante na contra-capa e um autor com nome de identidade secreta de super-herói americano, não resisti e comprei. Fiquei com medo de ter que gastar em excesso de peso de bagagem o que economizei na compra, mas acabou não precisando.

Desde aquela época, o livro está aqui na minha prateleira, disputando a vez com outros bem menores e que acabavam ganhando preferência pela ansiedade que costumo ter em terminar logo a leitura. Mas agora, acho que chegou a vez dele!

Sula de Toni Morrison. Como comecei o ano com um livro de uma escritora do nobel de literatura e agora fevereiro por coincidência veio outra, tentarei seguir a meta de uma escritora premiada diferente em cada mês até o final de 2021.

Toni Morrison tornou-se a primeira afro-americana a ganhar o prêmio, em 1993, e suas obras, normalmente, tem foco em fortes personagens femininas, o que não é diferente aqui, e conta a história de duas amigas, Nel Wright e Sula Peace em uma pequena cidade de Ohio e como elas escolhem seus papéis na sociedade.

“Nenhum testemunho é suficiente para comprovar um milagre, a menos que o testemunho seja de tal natureza que sua falsidade seria mais milagrosa que o fato que ele procura comprovar.”

Focado em duas personagens, Chieko e a própria cidade de Kyoto.

Ambientado no período pós guerra, uma imersão na cultura e nos costumes de Kyoto, que foi a capital do Japão por mais de mil anos (794-1868) e um retrato das consequências da ocidentalização.

Chieko é filha adotiva de um fabricante de quimonos tradicional em Kyoto, um artista frustrado diante da decadência de sua loja em razão da ocidentalização. Numa viagem Chieko conhece sua irmã gêmea e a narrativa segue com a tentativa de aproximação entre as irmãs, criadas em ambientes socialmente distintos.

Um livro para ser lido com calma, aproveitando cada detalhe das descrições, envolvendo-se nas paisagens e festivais da antiga capital enquanto se acompanha o despertar das emoções de Chieko.

Yasunari Kawabata, foi laureado com o nobel de literatura e sua obra Kyoto inspirou duas versões para o cinema, uma indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1964, do diretor Noboru Nakamura e outra de Kon Ichikawa, de 1980.




Livros de janeiro 2021

surfando livros

Ano novo e seguimos compartilhando nossos livros adquiridos (nosso book haul mensal).

Não necessariamente indicações, mas livros que entendemos que merecem estar em nossa biblioteca pessoal. E que 2021 seja um ano de muita saúde e leituras!

Os livros de janeiro foram escolhidos após a invasão do Capitólio pelos Garotos Orgulhosos e pela MAGA. O livro do Cal Newport evidencia os recursos que as redes sociais usam para nos induzir ao vício e também o modo como elas nos influenciam. Também traz dicas para os rebeldes que, como eu, querem se libertar do vício. Já o livro do Byung-Chul Han faz a análise política e filosófica do atual estado de coisas, num momento em que a Big Tech é o senhor de tudo e de todos. Que a força esteja com todos nós!

Um livro pequenininho, de um grande autor e com um tema mais do que atual. Despertou minha atenção na mesma hora em que o vi. Respeito e tolerância resumem tudo – ou quase tudo – o que a sociedade precisa para retomar o caminho do progresso humano.

Sobre os ossos dos mortos é o primeiro livro que compro da polonesa Olga Tokarczuk, ganhadora do Nobel de Literatura em 2018 (que, confesso, desconhecia completamente até então). Um mistério policial, no ritmo de uma fábula meio macabra, ou bem mais que isso.

Como o ciclo das flores, murchar, cair, enraizar, crescer e florescer, assim está dividido este livro de poemas de Rupi Kaur, poeta feminista contemporânea, que nos leva à reflexão sobre crescimento, amadurecimento e cura.

Ilustração do post Dale Edwin Murray




Livros de dezembro 2020

Moonlight robert hunter

Fim de ano e resolvemos compartilhar, no último dia do ano, nossos livros de dezembro (nosso book haul).

Não necessariamente indicações, mas livros que entendemos que merecem estar em nossa biblioteca pessoal. Um ótimo final de ano a todos!!

Estes livros da Clarice, além de lindos, são ótimos para ler aos poucos. São contos, crônicas e cartas curtos. O primeiro a ser lançado foi o de contos. As cartas chegaram agora no final do ano. Vale a pena ter para decorar por dentro e por fora.

Em uma das profundas conversas que eu, meu irmão e meu cunhado costumamos ter junto a uma mesa cheia de carnes e cervejas, eu disse que achava muito complexa a relação entre a humanidade repleta de maldades e um Deus criador perfeitamente bondoso e poderoso. Meu cunhado, um notável professor de filosofia, lembrou daquela conversa ao me presentear no Natal com esse livro de Santo Agostinho, que, segundo ele, é a melhor explicação filosófico-cristã deste paradoxo. Certo de que aliviará minha inquietude, será meu próximo livro a ser lido

Dez Contos Selecionados de Clarice Lispector. Nesse mês do centenário de Clarice resgatei na estante a edição da Confraria dos Bibliófilos para (re)ler alguns de seus melhores contos. A Legião Estrangeira, Felicidade Clandestina e Os Laços de Família estão entre eles.

Deviam exigir leituras desse tipo na faculdade de medicina e de direito.

Permite entender os embargos de declaração com efeitos infringentes como um ato de futilidade do advogado, ou excepcionalmente um ato de grande superação do juiz; faz também compreender a racionalidade por trás de institutos como o juiz de garantias.

Para a área da saúde, dá pistas sobre porque muita gente se obstina em condutas terapêuticas já superadas pelas evidências.

E explica porque todo mundo, inclusive juízes, médicos e presidentes da República (alguns mais que os outros…), se acham profissionais imbuídos sempre dos mais nobres motivos, e que sempre acharão justificativas que mantenham essa autoimagem.

Em homenagem ao centenário da escritora brasileira mais traduzida do mundo, única mulher entre os autores de língua portuguesa com mais títulos traduzidos, ocupa a nona posição, à frente de Machado de Assis. Ansiosa para começar a leitura!

Ilustração do post Robert Hunter




Clarice

Clarice Lispector

…dúvidas, vazios e contradições. Coisas não organizáveis. Fico feliz quando percebo que Clarice, mesmo com sua aparência etérea, também tinha que lidar com todas essas vicissitudes.

Desses conflitos surgiu sua literatura, com toda a sua intensidade. Escrita que não esconde, que revela, ainda que o objeto revelado não seja bom ou bonito. Mas a coragem da revelação por si só é bela e construtiva. E, quanto mais se desvenda, mais dúvidas, vazios e contradições desorganizáveis surgem.

Quando leio Clarice, tenho a sensação de que ela escreveu para mim. Posso me reconhecer em quase todas as suas personagens, das mais simples às mais refinadas. Crianças, jovens, idosas, solteiras, casadas, divorciadas. Macabéa, G.H., Sofia. Todas elas cabem em mim.

“Aí está ele, o mar, a mais ininteligível das existências não humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais inteligível dos seres vivos.”

Do conto As Águas do Mundo

Seus contos, suas crônicas e, mais recentemente, suas cartas revelam a grande escritora que Clarice, que amanhã completaria 100 anos, era. Chaya, de origem judia, nascida em 10 de dezembro de 1920, na Ucrânia, chegou ao Brasil em 1922, quando lhe fizeram adotar o nome Clarice.

Publicou seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, aos 21 anos. A Paixão Segundo G.H., sua obra-prima, foi escrita em 1963. Casou-se com um diplomata, teve 2 filhos e divorciou-se. Seu último livro foi a Hora da Estrela, que narra menos a história e mais as construções (psicológicas sempre) de uma jovem nordestina que se muda para o Rio de Janeiro. Macabéa, a jovem, vai morrendo junto com a escritora, que se foi em 09/12/1977.

Entre o cigarro e os remédios para dormir, Clarice sentia e explorava tudo o que a alma humana possibilita, abusando dos seus recursos e chegando a extrapolá-los. Deu apenas uma entrevista em frente às câmeras, pouco antes de falecer, que foi um momento único para reconhecer que, definitivamente, ela era insolúvel, desde o início e até o fim.

Clarice by Stegun

Escrita-terapia, seus textos falam sobre emoções em linguagem de fluxo de consciência. Ao lado de Guimarães Rosa, é considerada a maior escritora brasileira da segunda metade do século XX. São, sem dúvida, os meus favoritos. Fica aqui a nossa homenagem.

“Fortemente sedada, ela ainda ditava palavras a Olga na manhã de 9 de dezembro de 1977.
Súbita falta de ar. Muito antes da metamorfose e meu mal-estar, eu já havia notado num quadro pintado em minha casa um começo.
Eu, eu, se não me falha a memória, morrerei.
É que você não sabe o quanto pesa uma pessoa que não tem força. Me dê sua mão, porque preciso apertá-la para que nada doa tanto.
Um dia antes de sua morte, registrou Olga Borelli, Clarice Lispector sofreu uma intensa hemorragia.
Ficou muito branca e esvaída em sangue. Desesperada, levantou-se da cama e caminhou em direção à porta, querendo sair do quarto. Nisso, a enfermeira impediu que ela saísse. Clarice olhou com raiva para a enfermeira e, transtornada, disse: 
“Você matou meu personagem!”"

Nossa eterna e centenária Clarice…

por Carol.

Desenho de Renato Stegun.




Livros de novembro 2020

Livros - menina e mãe

Aproveitando o nosso amor pelos livros resolvemos compartilhar, na última quarta-feira de cada mês, os livros que adquirimos (nosso book haul).

Não são necessariamente indicações, mas livros que, por alguma razão, entendemos que deveriam estar em nossa biblioteca pessoal.

livros 11-20 Carol
Carol

No mês da consciência negra, comprei 3 livros de autores negros (eu sei, tinha q ter uma mulher…vou compensar na próxima).

Uma Terra Prometida, Barack Obama
Não preciso nem dizer os motivos que me levaram a comprar este livro. Obama, com suas mangas arregaçadas estilo “fim de expediente tentando salvar o mundo” me emociona.

Torto Arado, Itamar Vieira Junior
Comprei em uma livraria linda em Florianópolis (Letraria Livraria) por indicação da minha amiga e companheira de ministério da educação da JFPR, que é uma das pessoas mais leitoras que eu conheço. Fala sobre as marcas da escravidão em uma história que se passa na Bahia.

Um Preço Muito Alto, Carl Hart
Vi no Instagram de um colega e me interessei porque eu preciso continuar enganando que eu sei muito sobre neurociência. Uma aula sobre os problemas que o racismo e a falta de oportunidades trazem, além de fazer uma análise bastante interessante sobre o problema das políticos de combate às drogas.

Uma Terra Prometida, Barack Obama – Em tempos de consciência negra, eu não poderia deixar de ler a obra de uma das grandes personalidades negras da história, cuja liderança, carisma, prestígio, inteligência e conhecimento político justificam saber o que ele tem para contar.

O dia em que a poesia derrotou um ditador de Antonio Skármeta. Misturando ficção e realidade conta a história da campanha do plebiscito que tirou Pinochet do poder no Chile. Trata de um tema pesado de forma bem leve. E nos lembra que a poesia trará dias melhores.

Fique Comigo de Ayòbámi Adébáyò. Primeiro romance da escritora nigeriana que esteve na FLIP em 2019. Uma narrativa muito bem construída sobre até onde podemos ir em relação a padrões culturais existentes, envolvendo questões como maternidade e machismo.

Em fase de desfralde do Martin, dois livros muito bem bolados. E em homenagem ao dia da consciência negra, o amoras do emicida.

O Sol na cabeça

São 13 contos que mostram como a linguagem é capaz de nos transportar para dentro da narrativa. Um livro emocionante. Não à toa as declarações de Chico Buarque: “Fiquei chapado” e João Moreira Salles: “Geovani pula da oralidade mais rasgada para o português canônico como quem respira. Uma nova língua brasileira chega à literatura com força inédita”.

Ilustração do post: Esmé Shapiro




Livros de outubro 2020

Livros Tom Gauld

Aproveitando o nosso amor pelos livros resolvemos compartilhar, na última quarta-feira de cada mês, os livros que adquirimos (nosso book haul).

Não são necessariamente indicações, mas livros que, por alguma razão, entendemos que deveriam estar em nossa biblioteca pessoal.

Boa economia
Carol

Seguindo com a intenção de aumentar a minha bibliografia de mulheres, comprei o livro Boa Economia para Tempos Difíceis. Os autores, vencedores do Prêmio Nobel de Economia, trazem propostas inovadoras para combate à pobreza e à desigualdade. Já no começo do livro, dá para perceber que a ideia deles é destruir ideias cristalizadas e repetitivas sobre economia.

O livro Talvez Você Deva Conversar com Alguém foi indicação da minha irmã e do Bookster. Fala sobre a terapia e a relação entre terapeuta e paciente. A leitura está sanando muitas das minhas dúvidas sobre terapia. Por outro lado, me fez pensar se meu terapeuta me considera uma paciente enfadonha e se ele sabe que, às vezes, eu dou uma floreada nas minhas histórias…

Resolvi começar a ler o clássico da ficção científica “Duna” (Frank Herbert) não apenas para relaxar a mente após muitas leituras densas e de assuntos pesados, mas também porque o enredo da obra abrange temas de que gosto muito, como a ecologia e a disputa pelo poder entre os diversos estratos sociais.

Apesar de ser uma obra de ficção, o livro explora de forma bastante profunda as relações entre o ser humano e o meio ambiente e entre as próprias pessoas, tudo isso em um planeta distante em que a água é o bem mais raro – e, consequentemente, mais precioso – que existe.

Marrom e Amarelo de Paulo Scott é um romance que fala do nosso atraso e dificuldades em compreender o racismo, tratando a questão com a devida profundidade. O personagem principal é convidado para participar no “novo governo” de uma comissão que pretende rever o critério de enquadramento nas cotas em universidades, utilizando um software, e ao mesmo tempo fatos do passado ressurgem para demonstrar a falsa democracia racial brasileira.

Minha Vida de Rata de Joyce Carol Oates. Um livro incômodo e que também trata de racismo e outros temas ainda mais pesados. Desconfortável na maior parte das vezes e impactante. Apesar de pouco traduzida para o português a autora é das mais produtivas, twitteira de carteirinha, corredora e volta e meia ainda aparece na lista de possíveis ganhadores do Nobel de Literatura.

Martin há vários dias está fascinado com a história do João e o pé de feijão. Tentei ensinar que o João é um péssimo exemplo: desobedece a mãe, rouba coisas e ainda machuca o gigante. Em temos de afastamento social e home office não consegui acessar meu exemplar do Carlos Maximiliano para uma sentença, então tive que me virar com o Scalia. Sinceramente, entre os dois justices, minha impressão é que o nosso produziu obra muito melhor!

Desonra

Ambientado na África do Sul pós Apartheid, com uma narrativa muito rica, começa retratando a relação de um professor com uma aluna e segue com seus desfechos e as consequências na vida do protagonista, trazendo importantes reflexões sobre relações de poder, autoridade, consentimento, gênero, segregação e conflitos raciais.
É um resumo muito singelo da força da narrativa, vale muito a leitura! Este foi o livro através do qual fui apresentada a J. M. Coetzee e me fez ler os demais.

Ilustração do post: Tom Gauld




Livros de setembro 2020

Livros de Setembro

Aproveitando o nosso amor pelos livros resolvemos compartilhar, na última quarta-feira de cada mês, os livros que adquirimos (nosso book haul).

Não são necessariamente indicações, mas livros que, por alguma razão, entendemos que deveriam estar em nossa biblioteca pessoal.

Livros 09/20 Carol
Carol

Motivada por uma amiga, resolvi checar na biblioteca de casa quantos livros escritos por mulheres eu tinha. Separei por livros técnicos e romances e fiquei desapontada. Decidi que ia focar em comprar mais obras femininas então.

1) A Vantagem Humana – sempre leio os artigos da nossa queridíssima Suzana Herculano-Houzel, mas nunca tinha lido um livro dela (fiquei com vergonha, ainda mais porque eu amo livro de neurociência). Lerei ainda neste ano.

2) Sobre a beleza, Zadie Smith – tem romance, ten humor, tem política e tem família. Só faltou a guerra!

3) Falso Espelho – em tempos de dilema de redes sociais (quem inventou de tocar no assunto em
tempos de pandemia????), escolhi este livro que aborda diversas questões sobre como nós nos vemos nas redes e como queremos que os outros nos vejam. Além disso, a autora é 11 anos mais nova do que eu e já é escritora da New Yorker, enquanto eu só consegui escrever no meu perfil da famigerada rede social.

Duas coisas despertaram meu interesse por ler este livro.

A primeira é o fato de a autora – jornalista gabaritada e experiente – ter sido vítima de graves e injustas acusações relacionadas à sua atuação profissional, isso por ter feito reportagens de investigação da forma de atuação de grupos aos quais se imputa a disseminação de fake news pelas redes sociais. As acusações estão muito relacionadas à condição de mulher da autora. Fiquei curioso para ver o ponto de vista da vítima nessa história.

A segunda razão pela qual me senti instigado à leitura é a possibilidade de conhecer melhor aquilo que considero uma das maiores mazelas humanas atualmente: o ódio. Tenho convicção de que a alternativa para a salvação da sociedade é o amor. Para que ele prevaleça, nada melhor do que conhecer seu inimigo número um, que é o ódio.

“Brasil – Construtor de Ruínas”, da Eliane Brum, escritora e jornalista do El País, que se autodefine como uma escutadeira que escreve, certamente está entre as maiores e melhores vozes da imprensa atual. A promessa feita de narrar “as transformações de um país que acreditava ter finalmente chegado ao futuro, mas descobriu-se atolado no passado”, ao lançar um olhar sobre os governos do Brasil no século XXI, é cumprida fielmente.

A amizade de duas meninas ao longo dos anos, dessa vez não na Itália de Elena Ferrante, mas na Nigéria de Sefi Atta. ˜Tudo de Bom vai Acontecer˜ é narrado em primeira pessoa, e acompanha a amizade improvável de Enitan e Sheri por um país recém independente e permeado por conflitos políticos, golpes militares e todo tipo de violência, especialmente contra as mulheres.

Em período de contenção de despesas, investi mais nas leituras do Martin, elas todas com uma mágica morfética sobre o piá e em mim.

A única aquisição ao meu tsundoku foi uma apropriação junto à biblioteca do meu irmão, que renunciou ao papel em prol do e-ink. Ainda que física não seja meu primeiro interesse, quando vi que o coautor era o Mlodinov, que consegue transformar ideias áridas em boas histórias, não resisti e passei a mão no livro.

Peresépolis, de Marjane Satrapi
Uma leitura diferente, literatura em quadrinhos! Livro da iraniana Marjane Satrapi, que também é artista gráfica, que ilustra a revolução islâmica, as alterações culturais decorrentes e o impacto na vida de todos. Fala de identidade, de conflito identitário, de cultura, de liberdade, do papel da mulher na sociedade Confesso que quando pensei em ler “história em quadrinhos” imaginei que não teria a profundidade que o livro tem. Talvez a profundidade venha exatamente da forma de apresentação da história, em quadrinhos, o apelo visual nos leva longe em nossos pensamentos…Vale muito a leitura!

Infiel, de Ayaan Hirsi Ali
A biografia de uma mulher muçulmana nascida na Somália que se tornou parlamentar na Holanda e foi considerada uma das cem pessoas mais influentes do mundo, segundo a revista Time. A biografia por si só é rica e inspiradora, além disso o livro traz importantes reflexões sobre cultura, tradição e imigração, em especial sobre o respeito, impactos e limites quando a tradição cultural importa em práticas muitas vezes rechaçadas pelo país que acolhe o imigrante.




Livros de agosto 2020

Aproveitando o nosso amor pelos livros resolvemos compartilhar, na última quarta-feira de cada mês, os livros que adquirimos (sim, temos nosso próprio book haul).

Não são necessariamente indicações, mas livros que, por alguma razão, entendemos que deveriam estar em nossa biblioteca pessoal.

Carol

As Benevolentes, porque Compadre Quelemém indicou.

O Verdadeiro Criador de Tudo, porque já tinha lido no Kindle, mas queria o livro físico autografado.

As Teorias Selvagens, porque foi escrito por uma mulher e porque me falaram que a Pola é muito inteligente.

Já que a humanidade, definitivamente, não aprende com os próprios erros, a ideia é que com a leitura do livro ao menos eu não repita os erros dos outros (meus próprios erros, eu espero que já conheça e me esforço para não os repetir).

“Afirma Pereira”, de Antonio Tabucchi. Sempre tive curiosidade por esse livro – a história se passa durante o regime salazarista em Portugal – e tem sido uma agradável leitura. O protagonista, Pereira, certamente afirmaria que é um ótimo livro.

O livro da Abdel Aziz, uma psiquiatra e escritora egípcia, é daquelas surpresas que se encontra passeando em uma livraria. “A Fila” tem aquele clima meio Orwell, meio Kafka. Uma frase sobre o livro na contracapa define bem: “Um retrato impressionante de uma autoridade que reivindica todo o poder, renuncia toda a responsabilidade e força seu povo a repetir inverdades e abraçar sua própria opressão”, por uma fração de segundos, me fez confundir ficção e realidade.

O livro sobre falácias porque achei que faria Martin dormir rápido e pensar melhor. Mas acho que é muito cedo pra ele, mesmo com as ilustrações.

O livro da patrulha canina para compensar a compra errada e porque ele é enlouquecido pelos filhotes.

E o Malignant porque o Vinay Prasad (sigam no twitter @VPrasadMDMPH) é alguém que põe o dedo na ferida da big pharma como ninguém; quem trabalha com judicialização da saúde tem que saber que muitos dos medicamentos que deferimos tem um valor terapêutico discutível e um preço astronômico, e que os reguladores não estão fazendo um bom trabalho.

“O sol é para todos” (Harper Lee)
Para lembrar da atualidade e urgência de temas como segregacionismo, preconceito e a intolerância e para não esquecer que “é pecado ‘to kill a Mockingbird’”. Escrito em 1960, tem como título original “To kill a mockingbird”. “É pecado matar um mockingbird” (rouxinol, cotovia, sem tradução exata para o português) é uma frase de Atticus, pai da protagonista Scout, como uma advertência a Scout e Jem ao lhes entregar espingardas de pressão, dizendo que preferia que atirassem em latas no quintal, mas que sabia que iriam atrás dos passarinhos, então, não poderiam matar um mockingbird. Curiosa, Scout comenta com Maudie, pois nunca havia ouvido seu pai falar que algo era pecado, Maudie então explica que o mockingbird não faz nada além de cantar, não destrói jardins e não faz ninhos nos milharais, ele só canta, por isso é pecado matar um mockingbird. É um pecado atingir algo que não te fez mal algum. A referência ao título volta ao final do livro, em uma frase de Scout… deixo a curiosidade e a interpretação para quem quiser ler. Penso que o título original é de uma sensibilidade enorme e totalmente conectado com o texto, mais do que o título da tradução brasileira.

“As cidades invisíveis” (Italo Calvino)
Ítalo Calvino teria dito que esse foi o livro no qual disse mais coisas, talvez porque tenha conseguido concentrar em um único símbolo todas as suas reflexões, experiências e conjeturas. Quando li, foi por indicação de uma pessoa importante na minha vida, que me apresentou uma das cidades de Calvino, Isidora. Me disse para ler aos poucos, uma cidade de cada vez. Assim o fiz. Posso dizer que cada uma delas nos traz alguma sensação de reconhecimento ou pertencimento. É um livro para reler de tempos em tempos, até porque dependendo do astral que estamos as impressões são diferentes. Em alguns momentos, lemos e tudo aquilo parece uma mera descrição, em outros a beleza de todas as metáforas prescinde qualquer explicação e a experiência de sentimentos simplesmente flui.

“O amor nos tempos do cólera” (Gabriel García Márquez)
Relendo porque o momento atual tem tudo de cólera e de realismo fantástico. O livro fala não só de um caso de amor que “demorou” cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias, que encontrou inúmeros obstáculos, mas nunca desanimou. Fala na verdade de um amor que não deixou de ser vivido durante todo aquele tempo de espera. Mas fala de mais do que isso, fala de amores (no plural), memórias, espera, resiliência, persistência, amadurecimento e aprendizado. Fala de viver. Denso e ao mesmo tempo leve. Vale muito a leitura.

“Terra sonâmbula” (Mia Couto)
O livro da foto foi emprestado pela Carol minha amiga do coração, companheira neste blog e quem eu admiro muito. Adoro Mia Couto, leio tudo que me cai nas mãos. Também tem muito de realismo fantástico, como Gabriel García Márquez. Muita crítica social e política, personagens complexos, elementos culturais fortes.




Desenvolvimento como Liberdade

Para aqueles que, como eu, esforçam-se na construção de um mundo mais justo e para isso precisam entender as engrenagens que movem a sociedade e assim direcioná-las ao rumo certo, recomendo a leitura da obra “Desenvolvimento como Liberdade”, de Amartya Sen.

O autor propõe que o desenvolvimento econômico esteja a serviço das liberdades substanciais das pessoas, e não o contrário. Uma sociedade desenvolvida não é necessariamente uma sociedade rica, mas aquela em que os indivíduos podem gozar plenamente de sua liberdade. Não apenas liberdade física, mas liberdade de escolhas. O incremento da liberdade não depende da pujança econômica. Ambos evoluem conjuntamente e em uma relação de interdependência. O investimento nas pessoas (em sua educação, saúde, liberdades políticas e de pensamento), permitindo-lhes a condição de efetivamente fazerem suas escolhas, é que tornará a sociedade realmente desenvolvida.

Uma boa noção do espírito da obra pode ser extraída deste trecho:

Amartya Sen é indiano, mas sua vida acadêmica e profissional foi em grande parte exercida na Europa e nos Estados Unidos. Com isso, o autor consegue transitar muito facilmente pelas diversas realidades sociais e econômicas que servem como substrato para suas ideias.

A leitura é de certa forma densa e exige atenção, mas o engrandecimento que a obra traz compensa o esforço na compreensão.

Indicado por Bruno.