Amor, Substantivo
Quando Anne fica com um olhar perdido na cozinha, na primeira parte do filme Amor (Amour, 2012), escrito e dirigido pelo austríaco Michael Haneke, seu marido Georges percebe que ela está com alguma doença grave.
Sofrimento que se confirma durante todo a jornada mostrando um casal que construiu uma relação afetuosa e profunda durante décadas, registrado no folhear de um álbum de fotografias ou em cada detalhe da preocupação e dedicação de Georges e os cuidados com sua esposa.
O filme é uma longa encenação sobre os pequenos detalhes que caracterizam um relacionamento amoroso entre um casal de idosos, mas que é um poema sobre algo que diferencia o ser humano no seu comportamento com os outros: ética, solidariedade e admiração.
O declínio do corpo, das atividades básicas do cotidiano, da possibilidade de compreensão, vão sendo capturadas com extrema fidelidade pela lente de Haneke, que parece preocupado em, justamente, mostrar os pequenos significados da vida a dois, da compaixão ao afeto.
Como uma peça de teatro, o gigante Jean-Louis Trintignant (melhor ator em Cannes, 1969, pela obra prima “Z”, de Costa Gavras) e a indicada ao oscar (não poderia ser diferente) Emmanuelle Riva, vão se movimentando pelo palco, reduzido a um labirinto sem saída, ou melhor, cuja única saída é a mais humana o possível, justificando o título do filme, acompanhados esporadicamente pela filha ausente, Isabelle Huppert, preocupada com seus próprios dramas.
É um filme pesado, mas que conduz ao momento mais altivo e inexplicado da vida, tão escanteado pela medicina e tão vilipendiado pelas religiões (talvez a cena metafórica com uma pomba, o símbolo do espírito santo, tenha esse significado).
O tema já havia sido abordado com maestria em “Mar Adentro”, de 2004, mas sob diferentes perspectivas, com o personagem principal em outra posição. Enfim, um filme que escancara, sem dissimulação, as mazelas da vida e os destinos de todos nós, recebendo o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2013 e a Palma de Ouro em Cannes.
Um filme que retrata o amor na sua dimensão mais trágica e, ao mesmo tempo, mais sensível e enigmática, refletindo sobre a coragem diante de dilemas complexos.
Disponível no Reserva Imovision.
Por Marcelo Beckhausen1Marcelo Beckhausen é Procurador Regional da República na PRR4, professor de Direito Constitucional na Unisinos