Meu último dia normal foi o dia 17/03/2020. Estava sem máscara, fui ao trabalho, lanchei com os meus amigos no cafezinho sem medo. 24 horas mais tarde, o cenário era outro. Estava confinadíssima, mas certa de que seriam apenas algumas semanas de reclusão. Eu sempre fui fã do álcool em gel e carreguei máscaras em viagens de avião e/ou outros. Não tive problema em me acostumar com isso. Foi o fator novo, o isolamento, que fez com que eu tivesse de multiplicar as formas de ocupar o meu tempo com coisas que me distraíam dos vazios. Livros, ginástica, artigos, jogos, redes sociais. O problema é que, além da crise sanitária, que escancarou todas as formas de egoísmo das pessoas, veio também a crise política e a econômica do país.
Na segunda-feira da semana passada, um colega do meu filho foi para a escola, mesmo com o pai com COVID-19, contrariando o protocolo. O menino, que eu torço para que esteja bem, foi para a aula a poucas horas de sair o resultado do seu exame. Já no início da manhã, os pais foram buscá-lo, porque o resultado tinha saído e era positivo. Após chamar esses pais de irresponsáveis (achei bem light…), várias mães falaram que eu não tinha empatia pela família neste “momento de luto”. Uma mãe saiu do grupo chocada com as minhas palavras. Outra ousou dar os parabéns para os pais do menino por terem sido honestos. Uma terceira pediu paz. Não perceberam que é justamente pelo “momento de luto” que eu fiquei indignada. É inevitável pensar que estamos vivendo uma completa inversão de valores, e é difícil não perder a esperança.
Quando eu era pequena, eu tinha o refinado hábito de assistir ao programa do Silvio Santos no domingo. Adorava o “Topa Tudo Por Dinheiro”, o “Namoro ou Amizade” e o “Qual é a Música?”. Outro programa que eu amava e me fazia chorar muito era o “Porta de Esperança”. Para quem não é cringe e não sabe do que eu estou falando, o “Porta da Esperança” era um programa em que as pessoas se inscreviam para pedir que realizassem seus sonhos. Selecionadas, elas iam até São Paulo, ficavam hospedadas no Hotel Othon e contavam no palco quais eram seus desejos e necessidades. Em seguida, o apresentador dizia (que emoção!):
“vamos abrir a porta da esperança”.
A porta se abria! E lá estavam um representante de uma fábrica de cadeira de rodas, um dono de uma agência de turismo ou um irmão desaparecido. Às vezes, não havia ninguém atrás da porta…era difícil superar essa ausência.
Esses dias, a minha amiga Maya disse que precisava achar um jeito de continuar a acreditar na humanidade. Foi aí que eu criei na minha cabeça a minha própria porta da esperança, sem viagem a São Paulo e, felizmente, sem o Silvio (o texto trata de esperança, afinal). O que eu pedi foi encontrar mais gente fofa no mundo. E quando eu abri a minha porta, ela não estava vazia. Olha o rol não taxativo das pessoas que estavam lá:
- O Mbappé e o Naruto, que abriram seus cofrinhos e entregaram R$ 300,00 para a mãe para ajudarem em uma campanha de doação de máscaras para os profissionais de saúde no começo da pandemia.
- O Jordan, que sempre dá a maior gorjeta possível para os entregadores de aplicativo;
- A Maya, que sempre me liga quando eu estou mais quietinha (“Carol, estou te achando tão quietinha. Está tudo bem?”), o que denota claramente que ela se preocupa comigo e que o meu normal é falar. Muito.
- A Luisa, que tem uma irmã com uma doença bem difícil. Ela cuida da irmã, da filha da irmã e da mãe. E ainda resgata animais na rua.
- O Tani, que, antes da pandemia, pedia cestas básicas ao invés de presentes em suas festas de aniversário. Foi com ele que eu aprendi que era possível construir uma barricada gigante com elas.
- A Magazine Luiza, que é advogada, mas ajuda pessoas a empreender.
- O Divaldo, que dedica regularmente horas da sua semana e de seu fim de semana para cuidar dos outros, de graça, dando apoio psicológico e espiritual;
- O Mandela, que trabalha faz mais de uma década para aprimorar o SUS, sistema do qual ele não depende;
- O casal Marcos Mion, que ajuda uma instituição que cuida de crianças com Síndrome de Down;
- As internacionais Meryl e Michelle (Obama, claro), que fazem uma coisa que eu queria muito fazer, mas não consigo, mesmo depois de algumas tentativas e de muita terapia. Elas alimentam, dão carinho e atenção aos seus “miguchos” que estão em situação de rua. Ouvem suas histórias e ajudam, no que conseguem, a melhorar a vida deles.
Encontrei também as minhas amigas de faculdade, que caminham comigo há mais de duas décadas. Aliás, acho até que o lugar delas era ao meu lado no palco.
Maya, esse chazinho é para você. Depois da segunda dose da vacina, semana que vem, vou te convidar para um chá bem doce, como você!
Por Carol.
P.S. 1: Os nomes das pessoas acima foram trocados pelo nome de quem elas admiram para respeitar a LGPD.
P.S. 2: Eu deixei de gostar do Silvio Santos faz tempo, mais ou menos na época em que eu me encantei pela Hebe, mas eu juro que nunca gostei do Celso Portiolli. Hoje eu sou fã da Oprah.